Introdução
Os romanos conheceram três sistemas diferentes de governo (Realeza, República e Império). Em seu auge, Roma controlava uma população de 50 milhões de pessoas. Princípios e técnicas de administração construíram e mantiveram a Civilização Romana durante seus 12 séculos de existência. Também é importante lembrar que a má administração ajudou a destruir Roma no final de seu longo período de glória O exército romano foi o primeiro a apresentar comando em campanha, motivação dos soldados e transmissão de um código de disciplina. Construção e Administração do Império Romano apresenta o primeiro caso no mundo de organização e administração de um império multinacional. A extensão do território criou grandes problemas para os administradores romanos, tais como: controle das províncias, recolhimento dos impostos, manutenção de funcionários civis e militares, construção de uma rede de estradas e serviços públicos, e muitos outros. Para cuidar desses problemas, os romanos criaram diferentes tipos de executivos, tais como: reis, imperadores, césares, cônsules, magistrados e outros. Muitas das concepções dos romanos ainda sobrevivem na administração pública. Roma inspirou-se em três princípios na administração do império:
A administração financeira é um dos principais aspectos das instituições romanas que é interessante estudar sob a perspectiva da história da administração. “Tributum” era a contribuição que cada cidadão oferecia para a sustentação do Estado Romano. Em certa época, os cidadãos romanos ficaram isentos da tributação, quando outras receitas possibilitaram essa medida. A tributação das cidades conquistadas era uma das principais fontes da receita do Estado. Forças Armadas, As idéias dos gregos permaneceram por causa de sua força intrínseca, mas, como disse Bertrand Russell, as estradas e instituições romanas foram eternizadas pelo exército romano.
Fontes sobre a era de Augusto
A era de Augusto é mais pobremente documentada que o período republicano que o precedeu. Enquanto Lívio escreveu sua magistral história durante o reinado de Augusto, e sua obra cobriu toda a história romana até 9 a.C., somente sumários sobreviveram de sua cobertura da República tardia e do período de Augusto.
AS ESTRATÉGIAS ADMINISTRATIVAS IMPLANTADAS
REPRESENTAÇÃO EFECTIVA
O imperador representava o poder de forma alegórica, pois quem dominava e comandava as províncias era o Senado, apenas após Diocleciano assumir o poder em 17 de novembro de 284, na cidade asiática da Nicomédia, o imperador passou a ter uma representação efetiva no governo e na administração.
(GIBBON,1989, p.154)
TETRARQUIA
Instituiu a tetrarquia ao associar a três colegias ao exercício do poder supremo, e como estava convicto de que os talentos de um só homem seriam insuficientes para a defesa pública, considerava a administração conjunta de quatro príncipes não como um expediente temporário, mas como uma lei fundamental da organização do Estado. Dividiu em duas partes ocidental e oriental cada uma delas foi governada por um Augusto, a Ocidental com capital em Roma, no entanto
Maximiano instalou-se em Aquiléia ou Milão e a Oriental com Diocleciano instalada na Nicomédia, associando seu governo a um César, Galério em Sirmio e Constâncio em Tréveros, destinados a ser o seu sucessor deveriam assegurar à onipresença do governo sem que houvesse verdadeira partilha territorial, sendo as decisões políticas tomadas pelo acordo dos Augustos e pela legislação comum a todo o império. (GIBBON,1989, p.154)
Reorganizou a administração do império romano proporcionando uma representação mais efetiva do governo na administração de um território muito extenso, dividindo-o em quatro prefeituras, subdivididas em 13 dioceses com 116 províncias cada, para enfraquecer o poder dos governadores respectivos, tinha consciência de que os talentos de um só homem seriam insuficientes para a defesa pública. Valorizava o trabalho em equipe delegando funções específicas de acordo com o perfil de seus colaboradores, com isso, ele conseguiu reduzir o surgimento de possíveis revoltas.
RESTABELECIMENTO DA ECONOMIA
Diante do intenso comércio de metais preciosos com o Extremo Oriente e na tentativa de restabelecer o poder da economia romana, Diocleciano realizou uma reforma econômica-administrativa, que pretendia reativar a vida econômica do Império resolvendo as questões tributária e monetária, restaurando o valor das moedas de prata e de ouro ao diminuir a quantidade agregada de ouro nas moedas, mas mantendo seu valor nominal emitindo moedas de ouro e prata, colocando em circulação peças divisionárias de bronze, com uma fina cobertura de prata, estas moedas serviam para as operações quotidianas facilitando o troco, segundo JUNGE (1994, p.98), esta moeda fora depreciada e muitos comerciantes se negaram a aceitá-la como pagamento, paralelamente, emitiu o aureus, de 1/60 libra, de ouro.
Neste período houve a necessidade de ampliar as casas de cunhagem, a fim de satisfazer as necessidades do comércio, da construção de obras públicas e aumento do número de militares e civis de todos os graus.
REFORMA TRIBUTÁRIA
Promoveu reformas tributárias com impostos diferenciados de acordo com as classes sociais, pois queria inovar o sistema financeiro e econômico do Império, sendo obrigado a recorrer ao sistema de pagamento em espécie (in natura) e ao sistema de trabalho forçado. Fazia-se um recenseamento geral da população de cinco em cinco anos, segundo o estado de seus bens, era taxada o imposto de acordo com as diversas contribuições in natura estabelecida pelo governo a cada quinze anos. Por exemplo: os agricultores pagavam em graus, vinhos, azeite, carne, etc., e os grandes proprietários respondiam pelo pagamento total dessas contribuições. Já o pagamento em espécie só era pago pelos negociantes e artesãos das cidades.
AGRICULTURA, COMÉRCIO E SEGURANÇA.
A questão da agricultura deveria ser solucionada, pois era tida como o fundamento da manufatura onde se extraia da natureza a matéria-prima, a medida empregada foi a ruralização, que consistia no arrendamento das terras aos camponeses, agricultores e arrendatários, devendo pagar a anona, imposto sobre a produção agrícola anual, favorecendo a substituição do trabalho escravo pelo colonato, mas para evitar o calote foram impedidos de abandonar as propriedades e quebrar o contrato de arrendamento das terras, assim, as vilas rurais começaram a produzir o necessário para a sua auto-suficiência.
O desenvolvimento da agricultura, do artesanato, o comércio e da pecuária, ao permitir a instalação de germânicos pacíficos próximo à fronteira como agricultores ou soldados na defesa da fronteira romana. As grandiosas realizações da época como as estradas, aquedutos e magníficos trabalhos de arte tinham sempre em vista o fim político, nunca o econômico, pois era necessário garantir com rapidez, segurança, o transporte e o abastecimento das tropas até aos locais mais afastados do Império, para que pudessem promover vigilância e fiscalização.
SITUACAO FINANCEIRA
A Administração financeira é um dos principais aspectos das instituições romanas que é interessante estudar sob a perspectiva da história da administração. “Tributum” era a contribuição que cada cidadão oferecia para a sustentação do Estado Romano. Em certa época, os cidadãos romanos ficaram isentos da tributação, quando outras receitas possibilitaram essa medida. A tributação das cidades conquistadas era uma das principais fontes da receita do Estado. Forças Armadas, As idéias dos gregos permaneceram por causa de sua força intrínseca, mas, como disse Bertrand Russell, as estradas e instituições romanas foram eternizadas pelo exército romano.
CRISE E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO ROMANO
Por volta do século III, o império romano passava por uma enorme crise econômica e política. A corrupção dentro do governo e os gastos com luxo retiraram recursos para o investimento no exército romano. Com o fim das conquistas territoriais, diminuiu o número de escravos, provocando uma queda na produção agrícola. Na mesma proporção, caia o pagamento de tributos originados das províncias.
Em crise e com o exército enfraquecido, as fronteiras ficavam a cada dia mais desprotegidas. Muitos soldados, sem receber salário, deixavam suas obrigações militares.
Os povos germânicos, tratados como bárbaros pelos romanos, estavam forçando a penetração pelas fronteiras do norte do império. No ano de 395, o imperador Teodósio resolve dividir o império em: Império Romano do Ocidente, com capital em Roma e Império Romano do Oriente (Império Bizantino), com capital em Constantinopla.
Em 476, chega ao fim o Império Romano do Ocidente, após a invasão de diversos povos bárbaros, entre eles, visigodos, vândalos, burgúndios, suevos, saxões, ostrogodos, hunos etc. Era o fim da Antiguidade e início de uma nova época chamada de Idade Média.
CAUSAS DA CRISE DO IMPÉRIO ROMANO
Após séculos de glórias e conquistas territoriais, o Império Romano começou a apresentar sinais de crise já no século III
- Enorme extensão territorial do império que dificultava a administração e controle militar (defesa);
- Com o fim das guerras de conquistas também diminuíram a entrada de escravos. Com menos mão-de-obra ocorreu uma forte crise na produção de alimentos;
- Aumento dos conflitos entre as classes de patrícios e plebeus, gerando instabilidade política;
- Crescimento do cristianismo que contestava as bases políticas do império (guerra, escravidão, domínio sobre os povos conquistados) e religiosas (politeísmo e culto divino do imperador);
- Aumento da corrupção no centro do império (Roma) e nas províncias (regiões conquistadas);
Estes motivos enfraqueceram o Império Romano, facilitando a invasão dos povos bárbaros germânicos no século V.
INFLUENCIA DA IGREJA CATOLICA NA ADMNINISTRAÇAO ROMANA
Na evolução histórica da administração a Igreja Católica Romana pode ser considerada a organização formal mais eficiente da civilização ocidental. A Igreja Católica absorveu ao longo do tempo normas administrativa e princípios de organização pública das Instituições de Estado como Atenas, Roma, etc. Empregou na sua organização, a hierarquia de autoridade, o estado maior (assessoria) e a coordenação funcional. Segundo James O. Mooney, entre todas as formas de atividades humanas, a Igreja Católica constitui um dos exemplos mais destacados de aplicação e funcionamento de todos os princípios de organização .Ela aproveitou e aperfeiçoou toda a técnica administrativa que os romanos desenvolveram para fazer administração à distância. Como exemplo de eficiência e de coordenação administrativa e departamental. Através dos séculos vem mostrando e provando a força de atração de seus objetivos, a eficácia de suas técnicas organizacionais e administrativas, espalhando-se por todo mundo e exercendo influência, inclusive sobre os comportamentos das pessoas, seus fiéis. Conforme Megginson, Mosly e Pietri, Jr. (1998) a Igreja Católica Romana contribuiu bastante para evolução administrativa.
DIREITO ROMANO E INSTITUIÇÕES
I
Três períodos caracterizaram a história do direito civil e processual civil romano, compreendendo cada um o seu sistema processual típico:
1º. Processo das acções da lei (legis actiones);
2º. Processo formulário (per formulas);
3º. Processo extraordinário (cognitio extraordinária).
Essa delimitação é apenas convencional, pois apesar das três fases específicas e distintas, em momentos de mudança, coexistiram dois sistemas processuais diferentes até que o mais antigo caísse em desuso.
II
O Processo civil romano (Jus actionum) era o conjunto de regras que o cidadão romano deveria seguir para realizar o seu direito. Para os romanos o vocábulo Jus encerrava, também, o sentido que os modernos emprestam a direito subjectivo, ou seja, faculdade ou poder permitido e garantido pelo direito positivo. O direito subjectivo é tutelado pela acção (actio) que, no sentido restrito que ainda hoje lhe atribui, nada mais é do que actividade processual mediante a qual o particular procura concretizar a defesa dos direitos, pondo em movimento o aparelho judiciário do Estado. Para isso executa uma série de actos jurídicos ordenados, o processo.
Direito e acção eram conceitos estritamente conexos no sistema jurídico romano. O romano concebia e enunciava o direito mais sob o aspecto processual que material. Durante toda a época clássica, o direito romano era mais um sistema de actiones e de meios processuais do que de direitossubjectivos. Hoje, temos um conceito genérico de acção; em Roma, a cada direito correspondia uma acção específica.
III
No início, os primitivos romanos, como inúmeros outros povos, faziam justiça com as próprias mãos, defendendo o direito pela força. Só muito mais tarde, e em decorrência de longa evolução, é que houve a passagem da justiça privada para a justiça pública. Conjectura-se que essa evolução se fez em quatro etapas:
1ª. Fase da vingança privada, onde predominava a lei de Talião: “olho por olho dente por dente”, estabelecida ainda na Lei das XII Tábuas;
2ª. Fase do arbitramento facultativo que perdurou por toda a evolução do direito romano, pois sempre se admitiu que os conflitos individuais fossem resolvidos por árbitros escolhidos, sem a interferência do Estado, pelos litigantes;
3ª. Fase do arbitramento obrigatório que compreendeu o sistema de acções da lei e o processo formulário, onde o Estado passou a obrigar o litigante a escolher árbitro que determinasse a indemnização a ser paga pelo ofensor, e também, passou a assegurar a execução da sentença se, porventura, o réu não quisesse cumpri-la. Por esse motivo, vigorou o ordo indiciorum priuatorum (ordem dos processos civis), onde a instância se dividia em duas fases sucessivas: 1ª, a in iure (que se desenrolava no tribunal do magistrado); e 2ª, a apud iudicem (que se processava diante do iudex, que era um particular escolhido pelos litigantes para julgar o processo). Há controvérsias sobre a data em que surgiu, em Roma, essa divisão. A maioria dos autores entende que ela data da república, uma vez que, na realeza, o processo se desenrolava apenas diante do rei, que julgava as divergências entre particulares, as lides (lites);
4ª. Fase da justiça púbica que compreendeu o processo extraordinário, onde a instância se desenrolava inteiramente diante de um juiz que era o funcionário do Estado, como sucede em nossos dias.
Permaneceram, ainda, no direito romano das épocas posteriores, vários resquícios da possibilidade de defesa dos direitos com as própriasmãos, como, por exemplo, a legítima defesa (fundada no princípio uim ui repellere licet = é lícito repelir a força pela força) e a autodefesa privada activa, na qual o proprietário poderia expulsar de seu imóvel animais alheios ou pessoas que nele tivessem ingressado oculta ou violentamente; ou, então, poderia retomar, à força, coisa sua que alguém, sem direito, detivesse.
EVOLUÇÃO DA MAGISTRATURA ROMANA
No período da realeza, em Roma, tudo se concentrava nas mãos do rei, chefe supremo e vitalício, o único depositário da potestas publica, reunindo por força de seu imperium, além dos poderes militares e religiosos, poderes civis, legitimando-o a julgar em primeira e última instância. Esse fato explica porque a estrutura jurídica do mais antigo sistema processual romano - legis actiones - era por demais formalista. A casta de sacerdotes, auxiliando o rei, ditava o comportamento dos cidadãos. Depreendendo-se daí, que nesta conjuntura havia um íntimo relacionamento entre direito (ius) e religião (fas).
Na república, primeiro, a magistratura foi posta nas mãos de dois cônsules, que a exerciam alternadamente: um num mês e, o outro, no seguinte. Mas a partir de 367 a.C., os cônsules se limitaram a exercer a jurisdição graciosa, passando a jurisdição contenciosa a ser exercida pelo pretor; e as questões de venda de animais e escravos eram julgadas pelos edis curuis.
No início, a jurisdição do pretor se estendia a todos os territórios submetidos a Roma. Posteriormente, em certas ciuitates, os magistrados locais (duumuiri iure dicundo) passaram a exercê-la; e em determinadas regiões da Itália o pretor delegava poderes aos praefecti iure dicundo.
A grande afluência de estrangeiros em Roma levou a criação do pretor peregrino, incumbido de julgar os litígios entre cidadãos estrangeiros ou entre estes e romanos. Com o aparecimento das províncias (territórios conquistados fora da Itália), quem nelas exercia a jurisdição eram os governadores e seus questores, que aí desempenhavam as mesmas funções que, em Roma, eram atribuídas aos edis curuis.
No principado, com a concessão da cidadania romana a todos os habitantes da Itália, no século I a.C., desapareceram os praefecti iure dicundo. Assim, quanto aos litígios de menor importância ocorridos na Itália, processavam-se eles diante dos magistrados municipais; quanto aos de maior importância, a jurisdição era do pretor, devendo, em consequência, as partes se deslocarem para Roma. Mas, no tempo dos imperadores Marco Aurélio e Lúcio Vero, surgiram, para a Itália, os iuridici, magistrados com jurisdição civil em determinadas circunscrições.
Ainda no principado, com relação as províncias, é preciso distinguir: as senatoriais, cuja jurisdição era exercida por um legatus (legado) que actuava como mandatário do governador (o procônsul), e por um questor que tinha a mesma função dos edis curuis em Roma; e as imperiais, cuja jurisdição era delegada pelo Imperador aos legati iuridici, ou aos próprios governadores delas (os propretores), que a exerciam com a assistência dos assessores.
No dominato, com o processo extraordinário, a justiça passa a ser competência dos juízes, funcionários do Estado. Surge, nesse período, a hierarquização dos juízes, classificando-os em:
a) Inferiores, que julgavam, normalmente, em primeira instância e se denominavam iudices ordinari, e eram:
b) Superiores, em cujo cimo da escala hierárquica encontravam-se os Imperadores do Oriente e Ocidente; abaixo deles, os praefecti praetorio, que representavam os imperadores (razão porque suas decisões eram irrecorríveis para aqueles); e mais baixo, os uicarii, de cujas decisões podia-se recorrer ao imperador.
Ainda no dominato, Constantino reconheceu que os bispos tinham jurisdição quando um dos litigantes, durante o processo, pedisse a suspensão deste, a fim de que passasse a correr diante de um bispo, cuja sentença, nesse caso, teria força executória. Mas essa jurisdição foi revogada nos fins do século IV, ou durante o século V d.C.
Roma não conheceu o princípio da separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Por isso, os magistrados judiciários romanos, além da função de distribuir justiça, desempenhavam também atribuições administrativas, e, muitas vezes, militares.
Todo magistrado judiciário estava investido do poder denominado iurisdictio (jurisdição) que, segundo o Digesto, se dividia em:
a) Voluntária (graciosa) para realização de negócio jurídico, querido pelas partes, por meio de um processo fictício;
b) Contenciosa (contenciosa) para a solução de litígios através do emprego das seguintes palavras: do (termo usado pelo magistrado para ratificar a escolha pelas partes do juiz popular que irá julgar a lide); dico (palavra empregada pelo magistrado quando atribui a um dos litigantes a posse provisória da coisa litigiosa); e addico (vocábulo utilizado pelo magistrado para adjudicar ao autor a coisa litigiosa ou mesmo o próprio réu, quanto este não se defende convenientemente).
Além disso, em certos casos, o magistrado poderia denegare iurisdictionem, isto é, recusar aos litigantes o direito de iniciar um processo diante dele.
A iurisdictio contentiosa não se exercia livremente pelo magistrado. Ao contrário, ela era limitada pela competência que pode ser conceituada como a faculdade de exercer a jurisdição num caso determinado. Esta competência dividia-se em dois tipos:
a) Competência dos magistrados, que era determinada em função de vários factores: território, natureza e valor das causas, condição das pessoas, grau hierárquico de jurisdição;
b) Competência do foro (lugar onde a acção deve ser intentada) que, em regra, era determinada pelo domicílio do réu (actor sequitor forum rei = o autor segue o foro do réu), mas esse princípio comportava algumas excepções.
O AGERE NOS PERÍODOS LEGIS ACTIONES, PER FORMULAS E COGNITIO EXTRAORDINARIA
No direito romano o processo não era autónomo, e estava relacionado ao conceito que os juristas faziam com respeito ao direito subjectivo material e a acção judiciária (actio). As normas de carácter processual eram baseadas na experiência jurídica romana unida num carácter substancial, sendo que o direito subjectivo não era entendido pelo aspecto do seu conteúdo substancial, mas pela óptica da acção, a qual o titular podia tutelar contra possíveis ofensas. O titular da actio era aquele que realmente apresentasse uma situação de direito material existente.
No período clássico, o jurista Celso conceitua a actio como o direito de alguém reclamar aquilo que lhe é devido através de um processo (iudicio). Já Pugliese afirma que a actio refere-se apenas a quem tinha razão, de modo que o fato de ter acção indicava a titularidade do direito. Nesta época o agere correspondia a uma acção material, a uma atitude, um agir perante o magistrado. Então, no procedimento, o demandado era praticamente obrigado a comparecer perante o rex ou magistrado após a sua citação sob pena de ser levado à força.
O agere, no início, fazia uso da força a fim de recuperar ou obter alguma coisa de outrem. Com o tempo este passa a constituir uma réplica justificada. Tinham que definir as causas que permitiam alguém agir contra outros, e era a causa que legitimava o agere da parte.
Com a Lex Aebutia, fórmulas escritas da lei, as regras de procedimento já não são tão rígidas e são mais adaptadas as reclamações da comunidade. Os inflexíveis esquemas das acções da lei são substituídos pelo processo per formulas.
A fórmula correspondia ao esquema abstracto contido no édito do pretor, no qual eram feitos os ajustes necessários e era redigido um documento (iudicium) pelo magistrado fixando o objecto da demanda que devia ser julgada pelo iudex popular.
No processo privado, o mais importante foi a unificação das instâncias. Com a intervenção da cognitio extraordinaria, o procedimento passou a desenvolver-se diante do magistrado-funcionário, (autoridade estatal). O processo passou a ser todo estatal, onde o parecer do magistrado não mais correspondia apenas a um parecer jurídico (sententia), mas estava ligado a um órgão estatal. A sentença, no processo privado romano, era consolidada na actuação da autoridade do Estado (ex auctoritate principis), não mais se baseando apenas em carácter arbitral ou num ato restrito do cidadão. Com isso o processo tornou-se totalmente público, e, ao lado da jurisdição ordinária, pouco a pouco, formou-se um novo sistema processual.
CARACTERÍSTICAS DAS ACÇÕES DA LEI
O mais antigo dos sistemas de processo civil romano é o das acções da lei (legis actiones), do qual a maior parte das informações provém das Institutas de Gaio.
As acções da lei eram instrumentos processuais exclusivos dos cidadãos romanos tendo em vista a guarda de seus direitos subjectivos previsto no ius quiritarium, e este sistema processual possuía uma estrutura individualizada para situações expressamente reconhecidas. O processo nesta época histórica era marcado pela extrema rigidez de seus actos, onde as acções tomavam a forma da própria lei, conservando-se imutáveis como esta.
Durante este período, o direito em Roma vinha de hábitos, costumes, e o conhecimento das regras jurídicas era monopólio dos sacerdotes, que detinham o conhecimento do calendário e das normas jurídicas. Conjugavam-se o ius e o faz, ou seja, o elemento laico e o elemento religioso. Cercada de formalismo, solenidade e oralidade, com um ritual de gesto e palavras pré-estabelecidas.
A justiça romana passa por um processo de secularização, provocada por alguns aspectos como:
a) Pela Lei das XII tábuas, consolidando o direito consuetudinário antigo;
b) Pela bipartição do procedimento;
c) Pela criação do pretor urbano em 367 a.C.
d) Por dois personagens: Appio Cláudio, o Cego (cônsul em 307 e 296 a.C.) e seu escriba Gneo Flávio, que tornou público aos cidadãos o formulário das acções da lei, antes detidos pelos pontífices e pelo rex, únicos conhecedores das palavras sacramentais de cada actio.
ÓRGÃOS JUDICANTES E O PROCEDIMENTO
Originariamente, quem era responsável por julgar e conhecer pessoalmente as controvérsias, era o rex, chefe religioso e político da época. Depois com a introdução da legis actio per iudicis arbitrive postulationem, esta incumbência é passada para os juízes e o árbitro laicos, que eram escolhidos entre patrícios senadores e mais tarde entre plebeus. Com a criação do pretor urbano e com a bipartição do processo é estendida a legis actio sacramento.
Para se iniciar o procedimento da legis actiones era necessário a citação do réu (in ius vocatio). Nesse período, o processo apresentava três etapas:
a) Introdução da instância (in ius vocatio) que constituía-se em chegar a presença do magistrado as duas partes em questão (autor e réu).
É importante ressaltar que no procedimento da in ius vocatio, todos os actos eram realizados oralmente e esta só podia efectivar-se em lugar público (termas e teatros, como também qualquer lugar da rua, até na porta domiciliar do demandado).
Ficava a cargo do autor, que, de acordo com os preceitos contidos na Lei das XII Tábuas, ao encontrar, na rua, o réu, devia chamá-lo a Juízo, empregando termos solenes (uerba certa). Se o réu se recusasse a atender, a Lei das XII Tábuas determinava que o autor tomasse testemunhas e conduzisse o réu à presença do magistrado, ainda que tivesse de empregar a força.
b) Instância diante do magistrado ou pretor (in iure), estes davam ou não o direito de acção;
Conduzido o réu pelo autor à presença do magistrado competente, iniciava-se a fase in iure. As partes recitavam as fórmulas solenes e faziam os gestos rituais próprios de cada uma das acções da lei.
Feita a citação, e negando o réu as acusações, após 30 dias era escolhido um juiz, pela vontade de ambas as partes, ou por indicação do magistrado, ou até por sorteio. Tudo era realizado diante de testemunhas. Quando não era possível estabelecer os limites das demandas no mesmo dia, o réu tinha que prometer que voltaria, fornecendo, inclusive, fiadores (vades) ao autor.
c) Instância diante do juiz popular (apud iudicem), caso a acção fosse concedida.
O magistrado dava a fórmula de solução do conflito e oferecia uma lista de juízes (album indicum) para que as partes escolhessem um deles.
As pessoas integrantes desta lista variaram no decorrer da história de Roma em virtude de questões políticas. Essa fase se desenvolvia diante de um particular, que apurava a veracidade dos fatos alegados pelas partes litigantes, baseando-se para decretar a sentença. Nessa fase encontramos o iudex privatus, ou em certos processos os tribunais permanentes.
As acções não podiam ser julgadas a revelia, necessitava a presença do pretor e do adversário. Também, não se permitia a representação em juízo, ou seja, era vedado a alguém agir em nome de outrem.
Com a nomeação do iudex, as partes deviam comparecer à presença dele três dias depois. Se alguma das partes não comparecesse esperava-se até o meio-dia, após o qual julgava-se favoravelmente ao litigante que havia comparecido. Ambos, autor e réu, expunham sumariamente a demanda (causae coniectio), depois disso davam as razões (causae perovatio), seguidas pela produção das provas. O juramento, a confissão e o testemunho era considerado meios de prova. Produzidas as provas, o iudex dava a sentença (sententiam dicere), podendo condenar o réu, através de pagamento, ou restituição ou prestação de um ato; ou o absolvendo. Qualquer que fosse a sentença, era impossível ao réu recorrer a uma nova legis actio sobre a mesma questão.
ESTRUTURA E FINALIDADE DAS ACÇÕES DA LEI
Segundo as Institutas de Gaio, eram em número de cinco as primitivas acções da lei e subdividiam-se em acções de declaração - aquelas que levavam à nomeação de um juiz popular que deveria determinar a existência ou não do direito pleiteado; e em executórias - aquelas que executavam a sentença obtida. Eram elas:
a) Actio Sacramenti;
b) Iudicis Postulatio;
c) Condictio;
d) Manus Iniectio;
e) Pignoris Capio.
AS ACÇÕES DE DECLARAÇÃO
ACTIO SACRAMENTI
A legis actio per sacramentum constituiu a primeira forma de processo institucionalizado. Era uma actio generalis, o que corresponde no direito processual actual a uma acção ordinária, de carácter geral, que era utilizada toda vez que a lei não estabelecesse para o caso acção especial. Era também uma acção abstracta pois o autor não precisava justificar o direito pleiteado.
Sua denominação provém do vocábulo sacramentum, espécie de pena pecuniária imposta ao litigante que não demonstrasse na fase apud iudicem (do juiz popular) o direito que afirmara diante do magistrado (instância in iure).
O sacramentum variava conforme o valor do objecto da lide e consubstanciava-se em uma aposta jurada acerca da procedência da causa da vindicação.
A actio sacramenti podia ser in rem, quando o objecto da lide dissesse respeito a um direito real ou ao poder do pater familias, ou in personam, quando se tratasse de direito de crédito.
Na actio sacramenti in rem, embora não fosse necessário o chamamento a juízo, bastando que o autor portasse perante o magistrado (in ius) a coisa ou algo que a simbolizasse. Com o passar do tempo este tipo de acção incorporou a citação do réu para o início do processo reivindicatório.
O seu rito era formal e cerimonioso, onde ambos os litigantes, diante do pretor, vindicavam a coisa, simbolizando tal intenção tocando-a com uma varinha (festuca), até que se desafiassem num sacramentum, estabelecendo assim o contraditório.
As partes, no entanto, não depositavam o sacramentum, mas se comprometiam solenemente com o magistrado a pagá-lo, no caso de derrota dando como garantia as praedes sacramenti (pessoas que recolheriam o valor prometido ao Estado, caso o vencido não o fizesse). A parte possuidora da coisa deveria ainda apresentar fiadores que garantissem, caso perdesse o litígio, a restituição daquela ao outro litigante (praedes litis et vindiciarum).
É importante frisar que o contraditório estabelecido entre as partes não tinha como escopo principal a propriedade do bem, mas sim a causa em que se fundava a vindicação.
Desta forma, o julgador, na instância do juiz popular (apud iudicem), deveria verificar a legitimidade da causa, que justificasse a alegação de propriedade declarando qual dos dois sacramentos lhe parecia justo.
A legis actio sacramenti in personam, também se caracterizava por rito solene e simbólico, diferenciando-se apenas no seu objecto, que era a cobrança de crédito, e nas asserções e fórmulas desenroladas durante a audiência. Diferenciava-se também pelo fato de ser uma legis actiones não abstracta, pois deveria indicar a causa da qual se afirmava derivar a obrigação (oportere).
Basicamente, a audiência da actio sacramenti in personam consistia na afirmação pelo autor (intentio) que a outra parte lhe devia determinada obrigação. Diante de tal asserção, o réu poderia não comparecer perante o juiz (iudex) ou confessar a dívida, hipóteses que o equiparavam à situação do vencido (iudicatus). Caso o réu contestasse a intentio, o autor pronunciava o desafio do sacramentum.
Faz-se mister esclarecer que na actio sacramenti in rem a posição jurídica do autor era definida somente em relação à coisa vindicada, tornando-se indiferente a pessoa do réu, enquanto na actio sacramenti in personam, a precisa individuação da pessoa do réu na declaração inicial do autor era fundamental para fazer sentido a sua pretensão.
Apesar de em ambas as espécies, in rem e in personam, a sentença ter natureza de provimento meramente declaratório, trazia na prática diferentes conseqüências nas duas acções.
Na acção real (in rem), quando o juiz declarava o sacramentum do possuidor provisório da coisa ilegítima (iustum), este a conserva definitivamente e o valor do sacramentum devia ser recolhido ao Estado pelo que sucumbia. Se declarado iniustum, além do recolhimento da promessa feita, deveria restituir a coisa ao vencedor. Se não o fizesse, os praedes sacramenti sujeitar-se-lho aos efeitos da acção executória (manus iniectio).
Na acção pessoal (in personam), cuja finalidade era a cobrança de crédito, declarado justo o sacramentum do demandante, não sendo comprida a obrigação pelo devedor, poderia aquele proceder à citação do mesmo em juízo, instaurando-se assim o processo executório.
IUDICIS POSTULATIO
A também denominada actio iudicis arbitrive postulatio era uma acção declaratória, especial e não abstracta pois o autor tinha que indicar o fundamento da revindicação. Era utilizada para a divisão de herança (actio familiae erciscundae) e para cobrança de crédito decorrente de sponcio (espécie de processo relativo à coisa vindicada, onde o réu possuidor prometia indemnizar o autor caso ficasse provado que o bem não era seu) e para divisão de bens comuns (actio comuni dividundo).
Não estabelecia pena para o litigante temerário e o iudex ao contrário das outras acções, era nomeado imediatamente e não no prazo de trinta dias de acordo com a Lei Penaria.
LEGIS ACTIO PER CONDICTIONEM
Introduzido por duas leis: lex silio, para os créditos de certa penúria, e lex colpurnia, para os créditos de qualquer outra certa res (que não fosse dinheiro).
Acção mais simples e rápida, a condictio era utilizada para tutelar créditos que o eram anteriormente tutelados pela actio sacramenti in personam e pela iudicis postulatio e, diferentemente desta última, o iudex era designado ao fim de trinta dias como determinava a Lei Pinaria. Tratava-se de acção abstracta, pois o autor não precisava de declarar o fundamento (causa) do crédito.
AS ACÇÕES EXECUTÓRIAS
LEGIS ACTIO PER MANUS INIECTIONEM
Era destinada a fazer valer sentença obtida em acção de declaração. É considerada uma das mais antigas legis actiones.
Acredita-se que era utilizada em duas hipóteses:
Só podia ser utilizada para execução de quantia certa, por isso, através de um processo pouco conhecido, o arbitrium lite aestimandae, as condenações imprecisas eram reduzidas ao pagamento de quantias certas para que se aplica-se a manus iniectio.
A manus iniectio na Lei das XII Tábuas:
Nesta época era uma lei primitiva e rude que determinava a morte ao devedor caso não sanasse a dívida ele próprio ou alguém em seu lugar. Este alguém era o uindex, um parente ou amigo que contestasse a legitimidade do pedido do autor sabendo que se perdesse seria obrigado a pagar o dobro da dívida inicial.
A manus iniectio depois da Lei das XII Tábuas:
Nesta fase ela passa a abranger uma quantidade maior de casos e tem seus efeitos abrandados.
Passou a ser mais abrangente devido a leis posteriores às das XII Tábuas, que determinaram sua utilização em casos sem julgamento nem confessio in iure, em que se pretendia cobrar créditos previstos por lei.
A Lei Publilia concedia ao sponsor (fiador) que tivesse pago a dívida, manus iniectio contra o devedor que não o reembolsasse em seis meses.
A Lei Furia de sponsu dava ao fiador a manus iniectio contra o credor que o cobrasse indevidamente.
Quando não havia julgamento a manus iniectio era chamada pro iudicato (como se tivesse sido julgada) ao passo que aquela que se empregava na época da Lei das XII Tábuas era chamada manus iniectio indicati
Algumas leis admitiam que se aplicasse a manus iniectio pura, isto é, aquela que não exigia que tivesse havido julgamento mas que exigia ao autor que declarasse a natureza do direito pleiteado.
Com a implantação das manus iniectiones purae ocorreu uma inovação: o réu podia prescindir do uindex e defender-se a si próprio. Posteriormente todas as manus iniectiones se tornaram purae, a excepção do iudicatus, do confessus (previstos na Lei das XII Tábuas) e do sponsor (previsto na Lei Publilia).
Por fim, ao final da República o réu que não pagasse o débito não poderia ser morto nem vendido como escravo pelo seu credor, que só poderia levá-lo para sua casa e mantê-lo preso até que pagasse sua dívida com trabalho.
LEGIS ACTIO PER PIGNORIS CAPIONEM
Distingue-se das demais legis actiones de tal maneira que alguns jurisconsultos romanos não a consideravam uma legis actio.
Esta singular legis actio não se desenrolava diante do magistrado e não requeria a presença do adversário podendo ainda realizar-se nos dias nefastos Tratava-se de meio de tutela que se realizava extra judicialmente, colocando o credor, desde logo, em situação de vantagem perante o devedor.
Somente podia ser utilizada em relação a certas dívidas, que em alguns casos eram estipuladas por costumes e em outros por lei.
São passíveis de pignoris capio:
A posse extra judicial dos bens do devedor não conferia direito de uso da coisa ao credor, mas somente de mantê-la em seu poder até que fosse honrada a dívida.
Três períodos abrangeram a história do processo civil romano, compreendendo cada um seu sistema processual típico:
1º. Processo das acções da lei (legis actiones);
2º. Processo formulário (per formulas);
3º. Processo extraordinário (cognitio extraordinária).
Essa delimitação é apenas convencional, pois apesar das três fases específicas e distintas, em momentos de mudança, coexistiram dois sistemas processuais diferentes até que o mais antigo caísse em desuso.
Em nosso estudo abordaremos o sistema das acções da lei, utilizado no direito pré-clássico. Porém, antes disso, a fim de um melhor entendimento da matéria, faz-se necessário o conhecimento de alguns conceitos e da evolução histórica do processo civil romano.
PROCESSO CIVIL ROMANO
O Processo civil romano (Jus actionum) era o conjunto de regras que o cidadão romano deveria seguir para realizar seu direito. Para os romanos o vocábulo Jus encerrava, também, o sentido que os modernos emprestam a direito subjectivo, ou seja, faculdade ou poder permitido e garantido pelo direito positivo. O direito subjectivo é tutelado pela acção (actio) que, no sentido restrito que ainda hoje lhe atribui, nada mais é do que actividade processual mediante a qual o particular procura concretizar a defesa dos direitos, pondo em movimento o aparelho judiciário do Estado. Para isso executa uma série de actos jurídicos ordenados, o processo.
Direito e acção eram conceitos estritamente conexos no sistema jurídico romano. O romano concebia e enunciava o direito mais sob o aspecto processual que material. Durante toda a época clássica, o direito romano era mais um sistema de actiones e de meios processuais do que de direitos subjectivos. Hoje, temos um conceito genérico de acção; em Roma, a cada direito correspondia uma acção específica.
PASSAGEM DA JUSTIÇA PRIVADA PARA JUSTIÇA PÚBLICA
No início, os primitivos romanos, como inúmeros outros povos, faziam justiça com as próprias mãos, defendendo o direito pela força. Só muito mais tarde, e em decorrência de longa evolução, é que houve a passagem da justiça privada para a justiça pública. Conjectura-se que essa evolução se fez em quatro etapas:
1ª. Fase da vingança privada, onde predominava a lei de Talião: “olho por olho dente por dente”, estabelecida ainda na Lei das XII Tábuas;
2ª. Fase do arbitramento facultativo que perdurou por toda a evolução do direito romano, pois sempre se admitiu que os conflitos individuais fossem resolvidos por árbitros escolhidos, sem a interferência do Estado, pelos litigantes;
3ª. Fase do arbitramento obrigatório que compreendeu o sistema de acções da lei e o processo formulário, onde o Estado passou a obrigar o litigante a escolher árbitro que determinasse a indemnização a ser paga pelo ofensor, e também, passou a assegurar a execução da sentença se, porventura, o réu não quisesse cumpri-la. Por esse motivo, vigorou o ordo indiciorum priuatorum (ordem dos processos civis), onde a instância se dividia em duas fases sucessivas: 1ª, a in iure (que se desenrolava no tribunal do magistrado); e 2ª, a apud iudicem (que se processava diante do iudex, que era um particular escolhido pelos litigantes para julgar o processo). Há controvérsias sobre a data em que surgiu, em Roma, essa divisão. A maioria dos autores entende que ela data da república, uma vez que, na realeza, o processo se desenrolava apenas diante do rei, que julgava as divergências entre particulares, as lides (lites);
4ª. Fase da justiça púbica que compreendeu o processo extraordinário, onde a instância se desenrolava inteiramente diante de um juiz que era o funcionário do Estado, como sucede em nossos dias.
Permaneceram, ainda, no direito romano das épocas posteriores, vários resquícios da possibilidade de defesa dos direitos com as próprias mãos, como, por exemplo, a legítima defesa (fundada no princípio uim ui repellere licet = é lícito repelir a força pela força) e a autodefesa privada activa, na qual o proprietário poderia expulsar de seu imóvel animais alheios ou pessoas que nele tivessem ingressado oculta ou violentamente; ou, então, poderia retomar, à força, coisa sua que alguém, sem direito, detivesse.
EVOLUÇÃO DA MAGISTRATURA ROMANA
No período da realeza, em Roma, tudo se concentrava nas mãos do rei, chefe supremo e vitalício, o único depositário da potestas publica, reunindo por força de seu imperium, além dos poderes militares e religiosos, poderes civis, legitimando-o a julgar em primeira e última instância. Esse fato explica porque a estrutura jurídica do mais antigo sistema processual romano - legis actiones - era por demais formalista. A casta de sacerdotes, auxiliando o rei, ditava o comportamento dos cidadãos. Depreendendo-se daí, que nesta conjuntura havia um íntimo relacionamento entre direito (ius) e religião (fas).
Na república, primeiro, a magistratura foi posta nas mãos de dois cônsules, que a exerciam alternadamente: um num mês e, o outro, no seguinte. Mas a partir de 367 a.C., os cônsules se limitaram a exercer a jurisdição graciosa, passando a jurisdição contenciosa a ser exercida pelo pretor; e as questões de venda de animais e escravos eram julgadas pelos edis curuis.
No início, a jurisdição do pretor se estendia a todos os territórios submetidos a Roma. Posteriormente, em certas ciuitates, os magistrados locais (duumuiri iure dicundo) passaram a exercê-la; e em determinadas regiões da Itália o pretor delegava poderes aos praefecti iure dicundo.
A grande afluência de estrangeiros em Roma levou a criação do pretor peregrino, incumbido de julgar os litígios entre cidadãos estrangeiros ou entre estes e romanos. Com o aparecimento das províncias (territórios conquistados fora da Itália), quem nelas exercia a jurisdição eram os governadores e seus questores, que aí desempenhavam as mesmas funções que, em Roma, eram atribuídas aos edis curuis.
No principado, com a concessão da cidadania romana a todos os habitantes da Itália, no século I a.C., desapareceram os praefecti iure dicundo. Assim, quanto aos litígios de menor importância ocorridos na Itália, processavam-se eles diante dos magistrados municipais; quanto aos de maior importância, a jurisdição era do pretor, devendo, em consequência, as partes se deslocarem para Roma. Mas, no tempo dos imperadores Marco Aurélio e Lúcio Vero, surgiram, para a Itália, os iuridici, magistrados com jurisdição civil em determinadas circunscrições.
Ainda no principado, com relação as províncias, é preciso distinguir: as senatoriais, cuja jurisdição era exercida por um legatus (legado) que actuava como mandatário do governador (o procônsul), e por um questor que tinha a mesma função dos edis curuis em Roma; as imperiais, cuja jurisdição era delegada pelo Imperador aos legati iuridici, ou aos próprios governadores delas (os propretores), que a exerciam com a assistência dos assessores.
No dominato, com o processo extraordinário, a justiça passa a ser competência dos juízes, funcionários do Estado. Surge, nesse período, a hierarquização dos juízes, classificando-os:
a) Inferiores, que julgavam, normalmente, em primeira instância e se denominavam iudices ordinari, eram:
• Em Roma e Constantinopla, o praefectus urbi (que substituiu o pretor urbano, nessa funções, a partir do século II d.C.);
• Nas províncias, os litígios mais importantes se processavam diante do governador (praeses, rector), ou dos iudices pedanei, por ordem do governador; os litígios menos importantes (os de valor inferior, a princípio, a 50 solidi - moedas de ouro - e depois, a 300) se desenrolavam diante de funcionários municipais, os duumuiri iure dicundo, e nos fins do dominato, o defensor ciuitatis.
b) Superiores, em cujo cimo da escala hierárquica encontravam-se os Imperadores do Oriente e Ocidente; abaixo deles, os praefecti praetorio, que representavam os imperadores (razão porque suas decisões eram irrecorríveis para aqueles); e mais baixo, os uicarii, de cujas decisões podia-se recorrer ao imperador.
Ainda no dominato, Constantino reconheceu que os bispos tinham jurisdição quando um dos litigantes, durante o processo, pedisse a suspensão deste, a fim de que passasse a correr diante de um bispo, cuja sentença, nesse caso, teria força executória. Mas essa jurisdição foi revogada nos fins do século IV, ou durante o século V d.C.
Roma não conheceu o princípio da separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Por isso, os magistrados judiciários romanos, além da função de distribuir justiça, desempenhavam também atribuições administrativas, e, muitas vezes, militares.
Todo magistrado judiciário estava investido do poder denominado iurisdictio (jurisdição) que, segundo o Digesto, se dividia em:
a) Voluntária (graciosa) para realização de negócio jurídico, querido pelas partes, por meio de um processo fictício;
b) Contenciosa (contenciosa) para a solução de litígios através do emprego das seguintes palavras: do (termo usado pelo magistrado para ratificar a escolha pelas partes do juiz popular que irá julgar a lide); dico (palavra empregada pelo magistrado quando atribui a um dos litigantes a posse provisória da coisa litigiosa); e addico (vocábulo utilizado pelo magistrado para adjudicar ao autor a coisa litigiosa ou mesmo o próprio réu, quanto este não se defende convenientemente).
Além disso, em certos casos, o magistrado poderia denegare iurisdictionem, isto é, recusar aos litigantes o direito de iniciar um processo diante dele.
A iurisdictio contenciosa não se exercia livremente pelo magistrado. Ao contrário, ela era limitada pela competência que pode ser conceituada como a faculdade de exercer a jurisdição num caso determinado. Esta competência dividia-se em dois tipos:
a) Competência dos magistrados, que era determinada em função de vários factores: território, natureza e valor das causas, condição das pessoas, grau hierárquico de jurisdição;
b) Competência do foro (lugar onde a acção deve ser intentada) que, em regra, era determinada pelo domicílio do réu (actor sequitor forum rei = o autor segue o foro do réu), mas esse princípio comportava algumas excepções.
O AGERE NOS PERÍODOS LEGIS ACTIONES, PER FORMULAS E COGNITIO EXTRAORDINARIA
No direito romano o processo não era autónomo, e estava relacionado ao conceito que os juristas faziam com respeito ao direito subjectivo material e a acção judiciária (actio). As normas de carácter processual eram baseadas na experiência jurídica romana unida num carácter substancial, sendo que o direito subjectivo não era entendido pelo aspecto do seu conteúdo substancial, mas pela óptica da acção, a qual o titular podia tutelar contra possíveis ofensas. O titular da actio era aquele que realmente apresentasse uma situação de direito material existente.
No período clássico, o jurista Celso conceitua a actio como o direito de alguém reclamar aquilo que lhe é devido através de um processo (iudicio). Já Pugliese afirma que a actio refere-se apenas a quem tinha razão, de modo que o fato de ter acção indicava a titularidade do direito. Nesta época o agere correspondia a uma acção material, a uma atitude, um agir perante o magistrado. Então, no procedimento, o demandado era praticamente obrigado a comparecer perante o rex ou magistrado após a sua citação sob pena de ser levado à força.
O agere, no início, fazia uso da força a fim de recuperar ou obter alguma coisa de outrem. Com o tempo este passa a constituir uma réplica justificada. Tinham que definir as causas que permitiam alguém agir contra outros, e era a causa que legitimava o agere da parte.
Com a Lex Aebutia, fórmulas escritas da lei, as regras de procedimento já não são tão rígidas e são mais adaptadas as reclamações da comunidade. Os inflexíveis esquemas das acções da lei são substituídos pelo processo per formulas.
A fórmula correspondia ao esquema abstracto contido no édito do pretor, no qual eram feitos os ajustes necessários e era redigido um documento (iudicium) pelo magistrado fixando o objecto da demanda que devia ser julgada pelo iudex popular.
No processo privado, o mais importante foi a unificação das instâncias. Com a intervenção da cognitio extraordinaria, o procedimento passou a desenvolver-se diante do magistrado-funcionário, (autoridade estatal). O processo passou a ser todo estatal, onde o parecer do magistrado não mais correspondia apenas a um parecer jurídico (sententia), mas estava ligado a um órgão estatal. A sentença, no processo privado romano, era consolidada na actuação da autoridade do Estado (ex auctoritate principis), não mais se baseando apenas em carácter arbitral ou num ato restrito do cidadão. Com isso o processo tornou-se totalmente público, e, ao lado da jurisdição ordinária, pouco a pouco, formou-se um novo sistema processual.
CARACTERÍSTICAS DAS ACÇÕES DA LEI
O mais antigo dos sistemas de processo civil romano é o das acções da lei (legis actiones), do qual a maior parte das informações provém das Institutas de Gaio.
As acções da lei eram instrumentos processuais exclusivos dos cidadãos romanos tendo em vista a guarda de seus direitos subjectivos previsto no ius quiritarium, e este sistema processual possuía uma estrutura individualizada para situações expressamente reconhecidas. O processo nesta época histórica era marcado pela extrema rigidez de seus actos, onde as acções tomavam a forma da própria lei, conservando-se imutáveis como esta.
Durante este período, o direito em Roma vinha de hábitos, costumes, e o conhecimento das regras jurídicas era monopólio dos sacerdotes, que detinham o conhecimento do calendário e das normas jurídicas. Conjugavam-se o ius e o faz, ou seja, o elemento laico e o elemento religioso. Cercada de formalismo, solenidade e oralidade, com um ritual de gesto e palavras pré-estabelecidas.
A justiça romana passa por um processo de secularização, provocada por alguns aspectos como:
a) Pela Lei das XII tábuas, consolidando o direito consuetudinário antigo;
b) Pela bipartição do procedimento;
c) Pela criação do pretor urbano em 367 a.C.
d) Por dois personagens: Appio Cláudio, o Cego (cônsul em 307 e 296 a.C.) e seu escriba Gneo Flavio, que tornou público aos cidadãos o formulário das acções da lei, antes detidos pelos pontífices e pelo rex, únicos conhecedores das palavras sacramentais de cada actio.
ÓRGÃOS JUDICANTES E O PROCEDIMENTO
Originariamente, quem era responsável por julgar e conhecer pessoalmente as controvérsias, era o rex, chefe religioso e político da época. Depois com a introdução da legis actio per iudicis arbitrive postulationem, esta incumbência é passada para o juiz e o árbitro laicos, que eram escolhidos entre patrícios senadores e mais tarde entre plebeus. Com a criação do pretor urbano e com a bipartição do processo é estendida a legis actio sacramento.
Para se iniciar o procedimento da legis actiones era necessário a citação do réu (in ius vocatio). Nesse período, o processo apresentava três etapas:
a) Introdução da instância (in ius vocatio) que constituía-se em chegar a presença do magistrado as duas partes em questão (autor e réu).
É importante ressaltar que no procedimento da in ius vocatio, todos os actos eram realizados oralmente e esta só podia efectivar-se em lugar público (termas e teatros, como também qualquer lugar da rua, até na porta domiciliar do demandado).
Ficava a cargo do autor, que, de acordo com os preceitos contidos na Lei das XII Tábuas, ao encontrar, na rua, o réu, devia chamá-lo a Juízo, empregando termos solenes (uerba certa). Se o réu se recusasse a atender, a Lei das XII Tábuas determinava que o autor tomasse testemunhas e conduzisse o réu à presença do magistrado, ainda que tivesse de empregar a força.
b) Instância diante do magistrado ou pretor (in iure), estes davam ou não o direito de acção;
Conduzido o réu pelo autor à presença do magistrado competente, iniciava-se a fase in iure. As partes recitavam as fórmulas solenes e faziam os gestos rituais próprios de cada uma das acções da lei.
Feita a citação, e negando o réu as acusações, após 30 dias era escolhido um juiz, pela vontade de ambas as partes, ou por indicação do magistrado, ou até por sorteio. Tudo era realizado diante de testemunhas. Quando não era possível estabelecer os limites das demandas no mesmo dia, o réu tinha que prometer que voltaria, fornecendo, inclusive, fiadores (vades) ao autor.
c) Instância diante do juiz popular (apud iudicem), caso a acção fosse concedida.
O magistrado dava a fórmula de solução do conflito e oferecia uma lista de juízes (album indicum) para que as partes escolhessem um dentre eles. As pessoas integrantes desta lista variaram no decorrer da história de Roma em virtude de questões políticas. Essa fase se desenvolvia diante de um particular, que apurava a veracidade dos fatos alegados pelas partes litigantes, baseando-se para decretar a sentença. Nessa fase encontramos o iudex privatus, ou em certos processos os tribunais permanentes.
As acções não podiam ser julgadas a revelia, necessitava a presença do pretor e do adversário. Também, não se permitia a representação em juízo, ou seja, era vedado a alguém agir em nome de outrem.
Com a nomeação do iudex, as partes deviam comparecer à presença dele três dias depois. Se alguma das partes não comparecesse esperava-se até o meio-dia, após o qual julgava-se favoravelmente ao litigante que havia comparecido. Ambos, autor e réu, expunham sumariamente a demanda (causae coniectio), depois disso davam as razões (causae perovatio), seguidas pela produção das provas. O juramento, a confissão e o testemunho era considerado meios de prova. Produzidas as provas, o iudex dava a sentença (sententiam dicere), podendo condenar o réu, através de pagamento, ou restituição ou prestação de um ato; ou o absolvendo. Qualquer que fosse a sentença, era impossível ao réu recorrer a uma nova legis actio sobre a mesma questão.
ESTRUTURA E FINALIDADE DAS ACÇÕES DA LEI
Segundo as Institutas de Gaio, eram em número de cinco as primitivas acções da lei e subdividiam-se em acções de declaração - aquelas que levavam à nomeação de um juiz popular que deveria determinar a existência ou não do direito pleiteado; e em executórias - aquelas que executavam a sentença obtida. Eram:
a) Actio Sacramenti;
b) Iudicis Postulatio;
c) Condictio;
d) Manus Iniectio;
e) Pignoris Capio.
AS ACÇÕES DE DECLARAÇÃO
ACTIO SACRAMENTI
A legis actio per sacramentum constituiu a primeira forma de processo institucionalizado. Era uma actio generalis, o que corresponde no direito processual actual a uma acção ordinária, de carácter geral, que era utilizada toda vez que a lei não estabelecesse para o caso acção especial. Era também uma acção abstracta pois o autor não precisava justificar o direito pleiteado.
Sua denominação provém do vocábulo sacramentum, espécie de pena pecuniária imposta ao litigante que não demonstrasse na fase apud iudicem (do juiz popular) o direito que afirmara diante do magistrado (instância in iure).
O sacramentum variava conforme o valor do objecto da lide e consubstanciava-se em uma aposta jurada acerca da procedência da causa da vindicação.
A actio sacramenti podia ser in rem, quando o objecto da lide dissesse respeito a um direito real ou ao poder do pater familias, ou in personam, quando se tratasse de direito de crédito.
Na actio sacramenti in rem, embora não fosse necessário o chamamento a juízo, bastando que o autor portasse perante o magistrado (in ius) a coisa ou algo que a simbolizasse. Com o passar do tempo este tipo de acção incorporou a citação do réu para o início do processo reivindicatório.
O seu rito era formal e cerimonioso, onde ambos os litigantes, diante do pretor, vindicavam a coisa, simbolizando tal intenção tocando-a com uma varinha (festuca), até que se desafiassem num sacramentum, estabelecendo assim o contraditório.
As partes, no entanto, não depositavam o sacramentum, mas se comprometiam solenemente com o magistrado a pagá-lo, no caso de derrota dando como garantia as praedes sacramenti (pessoas que recolheriam o valor prometido ao Estado, caso o vencido não o fizesse). A parte possuidora da coisa deveria ainda apresentar fiadores que garantissem, caso perdesse o litígio, a restituição daquela ao outro litigante (praedes litis et vindiciarum).
É importante frisar que o contraditório estabelecido entre as partes não tinha como escopo principal a propriedade do bem, mas sim a causa em que se fundava a vindicação.
Desta forma, o julgador, na instância do juiz popular (apud iudicem), deveria verificar a legitimidade da causa, que justificasse a alegação de propriedade declarando qual dos dois sacramentos lhe parecia justo.
A legis actio sacramenti in personam, também se caracterizava por rito solene e simbólico, diferenciando-se apenas no seu objecto, que era a cobrança de crédito, e nas asserções e fórmulas desenroladas durante a audiência. Diferenciava-se também pelo fato de ser uma legis actiones não abstracta, pois deveria indicar a causa da qual se afirmava derivar a obrigação (oportere).
Basicamente, a audiência da actio sacramenti in personam consistia na afirmação pelo autor (intentio) que a outra parte lhe devia determinada obrigação. Diante de tal asserção, o réu poderia não comparecer perante o juiz (iudex) ou confessar a dívida, hipóteses que o equiparavam à situação do vencido (iudicatus). Caso o réu contestasse a intentio, o autor pronunciava o desafio do sacramentum.
Faz-se mister esclarecer que na actio sacramenti in rem a posição jurídica do autor era definida somente em relação à coisa vindicada, tornando-se indiferente a pessoa do réu, enquanto na actio sacramenti in personam, a precisa individuação da pessoa do réu na declaração inicial do autor era fundamental para fazer sentido a sua pretensão.
Apesar de em ambas as espécies, in rem e in personam, a sentença ter natureza de provimento meramente declaratório, trazia na prática diferentes consequências nas duas acções.
Na acção real (in rem), quando o juiz declarava o sacramentum do possuidor provisório da coisa ilegítima (iustum), este a conserva definitivamente e o valor do sacramentum devia ser recolhido ao Estado pelo sucumbente. Se declarado iniustum, além do recolhimento da promessa feita, deveria restituir a coisa ao vencedor. Se não o fizesse, os praedes sacramenti sujeitar-se-lho aos efeitos da acção executória (manus iniectio).
Na acção pessoal (in personam), cuja finalidade era a cobrança de crédito, declarado justo o sacramentum do demandante, não sendo cumprida a obrigação pelo devedor, poderia aquele proceder à citação do mesmo em juízo, instaurando-se assim o processo executório.
IUDICIS POSTULATIO
A também denominada actio iudicis arbitrive postulatio era uma acção declaratória, especial e não abstracta pois o autor tinha que indicar o fundamento da revindicação. Era utilizada para a divisão de herança (actio familiae erciscundae) e para cobrança de crédito decorrente de sponcio (espécie de processo relativo à coisa vindicada, onde o réu possuidor prometia indemnizar o autor caso ficasse provado que o bem não era seu) e para divisão de bens comuns (actio comuni dividundo).
Não estabelecia pena para o litigante temerário e o iudex ao contrário das outras acções, era nomeado imediatamente e não no prazo de trinta dias de acordo com a Lei Pinaria.
LEGIS ACTIO PER CONDICTIONEM
Introduzido por duas leis: lex silio, para os créditos de certa penúria, e lex colpurnia, para os créditos de qualquer outra certa res (que não fosse dinheiro).
Acção mais simples e rápida, a condictio era utilizada para tutelar créditos que o eram anteriormente tutelados pela actio sacramenti in personam e pela iudicis postulatio e, diferentemente desta última, o iudex era designado ao fim de trinta dias como determinava a Lei Pinaria. Tratava-se de acção abstracta, pois o autor não precisava de declarar o fundamento (causa) do crédito.
AS ACÇÕES EXECUTÓRIAS
LEGIS ACTIO PER MANUS INIECTIONEM
Era destinada a fazer valer sentença obtida em acção de declaração. É considerada uma das mais antigas legis actiones.
Acredita-se que era utilizada em duas hipóteses:
• Contra o iudi catus, aquele que numa ação de declaração fora condenado a pagar certa importância.
• Contra o confessus, aquele que na fase in iure confessou que o autor tinha razão.
Só podia ser utilizada para execução de quantia certa, por isso, através de um processo pouco conhecido, o arbitrium lite aestimandae, as condenações imprecisas eram reduzidas ao pagamento de quantias certas para que se aplica-se a manus iniectio.
A manus iniectio na Lei das XII Tábuas:
Nesta época era uma lei primitiva e rude que determinava a morte ao devedor caso não sanasse a dívida ele próprio ou alguém em seu lugar. Este alguém era o uindex, um parente ou amigo que contestasse a legitimidade do pedido do autor sabendo que se perdesse seria obrigado a pagar o dobro da dívida inicial.
A manus iniectio depois da Lei das XII Tábuas:
Nesta fase ela passa a abranger uma quantidade maior de casos e tem seus efeitos abrandados.
Passou a ser mais abrangente devido a leis posteriores às das XII Tábuas, que determinaram sua utilização em casos sem julgamento nem confessio in iure, em que se pretendia cobrar créditos previstos por lei.
A Lei Publilia concedia ao sponsor (fiador) que tivesse pago a dívida, manus iniectio contra o devedor que não o reembolsasse em seis meses.
A Lei Furia de sponsu dava ao fiador a manus iniectio contra o credor que o cobrasse indevidamente.
Quando não havia julgamento a manus iniectio era chamada pro iudicato (como se tivesse sido julgada) ao passo que aquela que se empregava na época da Lei das XII Tábuas era chamada manus iniectio indicati
Algumas leis admitiam que se aplicasse a manus iniectio pura, isto é, aquela que não exigia que tivesse havido julgamento mas que exigia ao autor que declarasse a natureza do direito pleiteado.
Com a implantação das manus iniectiones purae ocorreu uma inovação: o réu podia prescindir do uindex e defender-se a si próprio. Posteriormente todas as manus iniectiones se tornaram purae, a excepção do iudicatus, do confessus (previstos na Lei das XII Tábuas) e do sponsor (previsto na Lei Publilia).
Por fim, ao final da República o réu que não pagasse o débito não poderia ser morto nem vendido como escravo pelo seu credor, que só poderia levá-lo para sua casa e mantê-lo preso até que pagasse sua dívida com trabalho.
LEGIS ACTIO PER PIGNORIS CAPIONEM
Distingue-se das demais legis actiones de tal maneira que alguns jurisconsultos romanos não a consideravam uma legis actio.
Esta singular legis actio não se desenrolava diante do magistrado e não requeria a presença do adversário podendo ainda realizar-se nos dias nefastos Tratava-se de meio de tutela que se realizava extra judicialmente, colocando o credor, desde logo, em situação de vantagem perante o devedor.
Somente podia ser utilizada em relação a certas dívidas, que em alguns casos eram estipuladas por costumes e em outros por lei.
São passíveis de pignoris capio:
• A dívida do tribunus aerarii em relação ao soldo (stipendium) do soldado;
• A dívida das pessoas responsáveis para contribuir com a compra e manutenção do cavalo para com o soldado de cavalaria;
• A dívida do comprador de animal para com o vendedor
• A dívida do locatário de um animal de carga em relação ao locador desde que este animal estivesse destinado a sacrifício religioso;
• A dívida do contribuinte para com o publicano no tocante aos impostos.
DIREITO, DERECHO, DIRITTO, DROIT, RECHT
HISTÓRIA DO DIREITO ROMANO I
O Direito Romano
Introdução Histórica
1. O Direito Romano e sua influência
O direito romano na altura dos descobrimentos do século XVI era aplicado em grande parte dos países da Europa. Entre os quais Portugal.
As terras descobertas por Portugal foram objecto de ocupação conforme o instituto romano correspondente e aceite pelo direito lusitano da época. Houve, por essa ocasião, a posse das terras descobertas. Era instalado um marco como símbolo da posse.
Toda a história dos territórios descobertos, nos primeiros séculos, pode ser analisada à luz do direito romano. Daí que até ao presente nas antigas colónias que se tornaram independentes após o movimento de 25 de Abril de 1974, o direito desses Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs) é um direito essencialmente de base romanística. Ainda que, com diferente estatuto é o direito vigente em Macau como Região Administrativa Especial da República Popular da China, após 20 de Dezembro de 1999 e até 20 de Dezembro de 2049, por força da Declaração Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau assinada entre Portugal e a China em 13 de Abril de 1987. A questão de Timor-Leste onde o português é uma das línguas oficiais e membro da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). Macau solicitou a sua adesão, bem como países terceiros como o Senegal, Guiné Equatorial, Marrocos, Andorra e Filipinas.
As Ordenações do Reino, Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, têm as suas raízes no direito romano. A continuidade do direito romano está presente para lá do nosso Código Civil em particular, e no sistema jurídico em geral, nas legislações desses países, salientando a de Macau, onde os Códigos são cópias quase fiéis, e o Código Civil é o paradigma do nosso Código Civil. As Ordenações serviram muitas das vezes como a ponte de ligação entre a época antiga e a época actual. O nosso Código Civil está para os portugueses e macaenses como o Corpus Júris Civillis estava para os romanos.
2. A expressão direito romano:
SENTIDOS
Direito que vigorou por 12 séculos:
Direito privado romano:
Direito de Corpus Júris Civillis:
3. Importância do estudo do direito romano
Embora o Império Romano tenha deixado de existir e, com ele, tenham ficado sem vigência as normas jurídicas que o regeram, três razões que justificam de modo amplo o estudo das instituições jurídicas daquele povo:
Ordem histórica:
Ordem prática:
Ordem técnica – jurídica
O direito romano apresenta-se como um bloco maciço, mas para facilidade de estudo os romanistas costumam dividi-lo em períodos, preferindo cada autor uma determinada divisão, alguns utilizam de critérios políticos, outros o conteúdo das normas, ou ainda, os institutos jurídicos em áreas.
A classificação que se baseia na história das instituições políticas, divide o direito romano em períodos, contando-se as datas a partir da fundação da cidade de Roma:
1. Realeza (753 -510)
2. República (510 – 27)
3. Alto Império (27 – 284)
4. Baixo-império (284 – 565)
5. Bizantino (565 a 1453)
5. Métodos ou processos para o estudo do direito romano
Diversos métodos ou processos foram empregues através dos séculos, até aos dias de hoje, para o estudo do direito romano, citando-se, entre os mais conhecidos, o exegético, o dogmático, o histórico e o moderno.
Método exegético:
Método dogmático:
Método histórico:
Método Moderno:
6. Exposição sistemática do direito privado romano
Sempre foi objecto de preocupação, o estudo e a exposição sistemática do direito privado romano e, a principiar pelo jurisconsulto Gaio, um plano de exposição foi apresentado: todo o direito romano ou diz respeito às pessoas, ou às coisas ou às acções (Gaio, Institutas, I,8), sendo que a tríplice distinção de Gaio – pessoas, coisas, acções – atravessou os séculos, sendo ainda hoje seguida em obras de grandes romanistas.
Um plano sistemático de estudo do direito romano segue a seguinte ordem: história, pessoas, coisas, obrigações, sucessões e o processo.
Tal sistemática justifica-se considerando:
7. Noções básicas de Direito Romano
No estudo do direito romano, deve-se tem em consideração algumas noções fundamentais:
A palavra direito:
O direito:
O direito e a religião:
Desde nos tempos mais remotos, era patente a distinção entre o direito e a religião entre os romanos:
Jurisprudência - a ciência do direito:
Nas Institutas do Imperador Justiniano uma definição da ciência do direito - Jurisprudentia -, em que se acham mesclados elementos humanos, religiosos, filosóficos e morais: Jurisprudência (ou Ciência do direito) é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do que é justo e do que é injusto (Institutas, I, 1,1).
Os textos demonstram que as noções de ético e de jurídico não se encontravam claramente estabelecidas entre os jurisconsultos romanos, o que explica a influência dos filósofos gregos.
Era comum a filosofia grega ter a supremacia da moral, ciência geral das acções humanas, sobre o Direito, mera parte da actividade do homem.
O direito definia-se como a arte do bem e do equitativo (Digesto, I, a, 1, pr. e § 1º), o que demonstra a identificação entre a moral (- arte do bem), e o direito (- arte do equitativo).
Um texto de Ulpiano afirma que os preceitos do direito são viver honestamente, não prejudicar outrem, dar a cada um o que é seu (Digesto, I, 1,1; Institutas, I, 1,3).
O jurisconsulto Paulo numa célebre passagem, ensina que nem tudo que é permitido (pelo direito) é honesto (Digesto, ro, 17, 144,1).
A análise deste excerto mostra que se o direito permite coisas que a moral censura é porque o domínio de ambos é diferente.
Classificação dicotómica do direito de Ulpiano
Preocuparam-se também os romanos em dividir o direito, mostrando, na classificação dicotómica de Ulpiano reproduzida por Justiniano, que o estudo deste compreende dois ramos principais: o público e o privado, sendo o primeiro o que tem por finalidade a organização da república romana e o segundo o que diz respeito ao interesse dos particulares (Institutas de Justiniano, I, a,4, e D. 1,1,2).
O princípio romano da distinção entre os dois ramos do direito – público e privado – é o critério finalístico. É o fim (e não a origem e as sanções, ou o objecto, como hoje fazemos) que serve de marco separador entre os dois campos: a organização da república romana – o campo do direito público, regulado pelas formas do jus publicum; a utilidade, o interesse particular – o âmbito do jus privatum.
Definição de direito dentro do espírito do direito romano:
Direito é o conjunto das regras de justiça ou de utilidade social relativas à organização dos poderes públicos, da família e às relações económicas dos homens.
8. Direito Privado Romano e as suas subdivisões:
Os direitos latinos fazem referência a muitas divisões e subdivisões do direito privado:
Jus civile ou jus Quiritium é o direito próprio e peculiar dos cidadãos romanos. É mais antigo, mais restrito, mais rígido. Predominou nos primeiros tempos;
Jus gentium surge mais tarde, tem um âmbito mais amplo, aparecendo quando Roma estende as suas conquistas e entra em contacto com outros povos. É um direito comum a todos os povos - gentes - do vastíssimo mundo romano - orbis romanus.
Direito Natural
Há uma lei verdadeira, segundo a natureza, difundida entre todos os homens, constante e eterna (De República, 3,22,33).
Direito natural - direito que a natureza ensinou a todos os animais, racionais e irracionais;
Sentido jurídico de direito natural – direito comum a todos os seres racionais, abrangendo escravos e bárbaros, mesmo fora do mundo romano.
Aspectos comparativos entre: jus naturale – jus civile e jus gentium:
9. Fontes do direito romano
O direito forma-se a partir de determinadas fontes. Fontes que variam conforme os agrupamentos que lhe dãoorigem.
No direito romano, classificam-se as fontes em escritas (jus scriptum) e não escritas (jus non scriptum).
· Jus non scriptum é o costume
· Jus scriptum é constituído pela lei, plebiscitos, senatosconsultos, constituições imperiais, éditos dos magistrados e respostas dos prudentes.
10 Direito civil e direito pretoriano
Ao lado do direito civil, mais antigo, mais conservador, estrito e formalista, vai-se constituindo, aos poucos, um outro direito, mais novo, menos formalista, adaptado às circunstâncias do momento: é o direito honorário, porque emana dos magistrados investidos das funções públicas, honores (pretores, edis curuis, governadores). É também denominado de direito pretoriano ou do pretor.
Este direito honorário ou pretoriano, criado pelos magistrados, ao contrário do jus civile, que deriva de fontes legislativas e da doutrina dos jurisconsultos, nem sempre está em conflito com este.
Ao ser chamado a intervir o pretor geralmente confirma ou completa o direito civil, fazendo, neste caso papel análogo ao que fazem os nossos tribunais com a jurisprudência, mas às vezes surgem casos de oposição, lutando, então, o pretor no sentido de corrigir o direito civil, acomodando-o às novas exigências sociais, políticas ou económicas, estabelecendo, novos modelos jurídicos, em antagonismo com os modelos velhos, que são abandonados, por inadequados.
DIREITO, DERECHO, DIRITTO, DROIT, RECHT
HISTÓRIA DO DIREITO ROMANO II
11 Alguns traços típicos do direito romano
O direito romano possuiu alguns traços típicos:
12 Direito Romano na Realeza
Chama-se realeza ao período histórico em que Roma foi governada pelos reis – ou período dos reis – extensão: 753 (data da fundação de Roma até 510 a.C.)
Organização social
Agrupam-se os habitantes da cidade de Roma em duas categorias bem distintas e opostas: os patrícios e plebeus.
Poderes públicos de Roma
O rei, o senado e o povo são os três elementos que integram os poderes públicos em Roma.
Populus romanus - 1. Leges curiatae – unidade de voto é a cúria - Patrícios
(feitura das leis) - 2. Leges centuriatae – unidade de voto é a centúria - Plebeus
Fontes do direito romano da realeza
As fontes do direito na realeza são duas: o costume e a lei.
Actualmente as leis têm um sentido geral, impessoal, destinando-se à colectividade. No direito romano da realeza, as leis eram particulares, regendo determinados casos, verdadeiros contratos entre os patres da cidade.
Exemplo: um pater pretende deixar os bens não aos seus herdeiros, mas a outra pessoa (testamentum), contrariando o costume reinante. Nasce a lei.
13 Direito romano na República
Finda a realeza com a morte do último rei, destronado por uma revolução, chefiada por patrícios e militares, instaura-se, em Roma, a república, período que se prolonga de 510 até 27 a.C.
Ao rei sucede o poder consular, representado pelos cônsules, detentores do imperium e que encarnam a suprema magistratura. Eleitos em número de dois, anualmente, governam revezando-se, um mês cada um, até ao fim do ano. O cônsul em exercício é fiscalizado pelo colega, que tem contra ele a intercessio ou direito de veto, em caso de discordância. Se perigos ameaçarem a república, o cônsul em exercício avoca o poder dos dois, tornando-se ditador, com poderes absolutos, perdendo o colega o recurso da intercessio.
Tribuno da plebe
Após as greves dos plebeus, a cidade tendo ficado paralisada pela falta da massa trabalhadora; patrícios e plebeus resolvem fazer um acordo, sendo atendidas diversas reivindicações da plebe, a mais importante das quais é a criação do tribuno da plebe. Criados em 494 a.C., eram magistrados plebeus, invioláveis, sagrados (sacrosanti), com direito de veto contra as decisões a serem tomadas. Podem opor-se até mesmo às decisões dos cônsules e dos senadores. Têm ao dispor o mesmo recurso que os cônsules – a intercessio – podendo com esta colocar em crise a poderosa máquina do Estado romano. O tribuno da plebe não pode ser acusado, preso, nem punido. Tem imunidades totais. São imunidades parlamentares.
Elementos da vida política da república
Na vida política da república interferem inúmeros elementos: os cônsules, o senado, o povo.
O populus romanus, que agora se compõe de patrícios e plebeus, reúne-se em comícios, os comícios curiatos e os comícios centuriatos como na realeza. Além disso, há uma nova espécie de comícios, os comícios tributos. A plebe, sozinha, reúne-se nos concilia plebis. Nestes, votam-se os plebiscitos.
Fontes do direito romano da república
As fontes do direito romano na república são em número de cinco, a saber: o costume, a lei, o plebiscito, a interpretação dos prudentes e os éditos dos magistrados.
14 Direito Romano no Alto Império
Chama-se alto império (27 a.C. a 284 d.C.) ou principado (de princeps) o período histórico que vai do reinado de Augusto até à morte de Diocleciano.
O imperador ou príncipe não governa sozinho: partilha o poder com o senado, havendo pois, a diarquia (governo de dois) e não a monarquia (governo de um só).
A pessoa do príncipe – primeiro magistrado – é sagrada, inviolável. Reúne o príncipe poderes quase ilimitados. Em virtude do imperium proconsular, que recebe do exército e do senado, é o chefe supremo das forças armadas, pode fazer nomeações para cargos civis e militares, tem o direito de declarar a guerra e de celebrar a paz. Mediante o seu poder tribunício, recebido do povo, ao ser coroado (lex regia do império), a sua autoridade é máxima. Com o senado o príncipe reparte o poder judiciário.
Fontes de formação do direito romano no Alto Império
Os modos de formação do direito romano no alto império são: o costume, a lei, os senatosconsultos, os éditos dos magistrados, as constituições imperiais e as respostas dos prudentes.
15 Direito Romano no Baixo-império
Chama-se Baixo-império (284 d.C. a 565 d.C.) ou dominado, o período histórico que vai da morte de Diocleciano até a morte de Justiniano.
Neste período o traço político dominante é a concentração dos poderes nas mãos do soberano que governa sozinho (monarquia, governo de um só).
Com a morte de Teodósio I divide-se o império romano em duas áreas: Império Romano do Oriente e Império Romano do Ocidente (395 d.C.).
Cada uma dessas áreas políticas é entregue a um imperador.
Em 476 de nossa era, Odoacro, rei dos Hérulos, invade o Império Romano do Ocidente, mas o Império Romano do Oriente contínua a viver até à morte do imperador Justiniano, em 565.
O imperador que, no período anterior, reparte o poder com o senado, afirma definitivamente a sua posição, torna-se absoluto, invocando a vontade divina como fonte de inspiração da sua autoridade: o que agradou ao príncipe tem força de lei. É a monarquia absoluta.
Fontes do direito romano no período do Baixo-império
As Constituições Imperiais, denominadas leges, são a única fonte do direito romano, neste período. Os edicta ou leges edictales são ordens expedidas pelo imperador ao senado ou a qualquer funcionário.
As codificações do Baixo-império
Antes de Justiniano, houve codificações particulares e oficiais. Entre as codificações particulares, ou seja, de iniciativa privada, devemos distinguir o Codex Gregorianus, o Codex Hermogenianus, os Fragmenta Vaticana Juris Romani, a Lei de Deus ou Comparação entre as leis de Moisés e as leis dos romanos e o Livro de direito sírio-romano.
O Código Gregoriano, compilado por um certo Gregório, que teria sido um prático do direito ou um jurisconsulto desconhecido, é a primeira compilação das Constituições Imperiais que conhecemos. Remonta ao século III, indo desde Septímio Severo até a época do Imperador Dioclesiano.
O código hermogeniano, compilado por Hermogeniano, possivelmente o mesmo jurisconsulto que figura no Digesto, é também uma reunião das Constituições Imperiais dos imperadores Diocleciano e Maximiliano, bem como algumas de Valentiano I e de Valente.
Os Fragmenta Vaticiana Juris Romani são uma colecção de fragmentos do direito romano, de alguns jurisconsultos e de algumas Constituições Imperiais. Foram descobertas, em 1821, pelo cardeal Ângelo Mai, na Biblioteca do Vaticano, coberto pelas Conferências dos anacoretas do Édito, de Cassiano (350-432). Caracteriza-se esta compilação por utilizar o jus e as leges dos códigos gregorianos e hermogeniano.
O confronto ou colação entre as leis mosaicas e romanas, chamado pelos manuscritos de Lex Dei quam praecipt dominus ad Moysen, é uma comparação de fragmentos de leis judaicas e romanas, relativas ao direito penal e ao direito sucessório, baseada nas obras de Gaio, Paulo, Ulpiano, Papiniano e Modestino, assim como em constituições imperiais.
O livro sírio-romano ou leges saeculares é um compêndio de direito romano adoptado nas escolas da Síria, livro que chegou até nossos dias em traduções, principalmente, árabes. Reveste-se de grande importância, porque encerra grande quantidade de informações sobre o direito em vigor, no Oriente, ao mesmo tempo que contém muitos elementos de origem provincial.
O Código Teodosiano, elaborado por ordem do Imperador Teodósio, é a compilação das constituições imperiais a partir da época de Constantino. Promulgado no Oriente, em 438, por Teodósio II e tornado obrigatório no Ocidente por Valentiniano III, distingue-se por ser a primeira codificação oficial do império romano.
O Breviário de Alarico, Lei romana dos visigodos, Corpo das leis ou Breviário de Aniano é uma compilação de leis, feita em 506, por ordem de Alarico II e homologada por Aniano. Como se sabe, os bárbaros respeitavam os costumes dos povos vencidos, deixando-os que se regessem pelas suas respectivas leis. Por isso, quando os visigodos invadiram a península, permitiram que os povos peninsulares seguissem as próprias leis que eram a romana, e para isso, organizaram os vencedores um Código que ofereceram aos vencidos.
A Lex romana Burgundiorum, promulgada em 509, pelo rei Gondebaldo, da Borgonha, foi para os súbditos romanos deste lugar o mesmo que a Lex romana Visigothorum para os da Espanha.
Justiniano, natural de Taurésio, aquele que foi o grande imperador, em 527, sucedendo o seu tio Justino. Combateu os vândalos e os persas, conquistou a África e a Itália, dedicando-se às artes, às ciências e ao direito. Deve-se a ele a construção da basílica de Santa Sofia (532-537) em Istambul, na Turquia. No campo do direito empreende a tarefa de sistematizar, reunindo, num corpo só, numerosíssimos textos de leis das épocas anteriores e da sua.
Na realidade, o Corpus Juris Civilis abrange o Digesto, as Institutas, o Código (novo) e as Novelas, visto que o Código Antigo se perdeu. A essas obras podemos acrescentar as 50 decisões (Quinquaginta Decisiones) a respeito de pontos controvertidos entre os antigos jurisconsultos.
16 O direito romano do período Bizantino
O período bizantino (do nome Bizâncio, cidade grega construída no Bósforo, no VII século antes de Cristo, mudado para Constantinopla, no quarto século de nossa era, por Constantino, sendo a actual Istambul, na Turquia, é o período de tempo que vai desde a morte do Imperador Justiniano (565) até à tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453.
O direito bizantino é o conjunto de regras jurídicas justinianas que continuaram em vigor de 565 a 1453, mas adaptadas à vida dos povos do Novo Império.
O direito bizantino, em vigor nos países sujeitos à dominação bizantina, encontrou dificuldades de aplicação nos tribunais, quando invocado. A língua latina, cada vez mais afastada das fontes, é menos estudada e insuficiente para exprimir os novos casos que surgiam. É difícil, nessa época, a compreensão da língua em que foi redigido o Corpus Juris Civilis, de Justiniano.
A evolução contínua do direito, no mundo bizantino, trazia como consequência o aparecimento inevitável de situações jurídicas novas, não previstas nas antigas e imobilizadas compilações latinas.
Para contornar as dificuldades emergentes ordenaram os imperadores que se fizessem outras compilações oficiais, em língua grega, adaptáveis à nova realidade jurídica. Surgem assim a Égloga legum compendiaria, a Lex Rhodia, o Prochiron Legum.
Depois de ter vigorado por mais de 12 séculos (753 a.C. – 476 d.C.), como expressão da vida jurídico-social do povo que formou o mais organizado império do mundo antigo, estendeu-se o direito romano até aos tempos do imperador Justiniano (565 d.C.), continuando no período bizantino até fins da Idade Média (1453), atravessando o Renascimento e chegando até aos nossos dias.
A perpetuidade do direito romano é um facto evidente. A sua actualidade não pode ser negada, pela presença constante em inúmeros institutos jurídicos de nossa época.
Além disso, qualquer estudo profundo de direito privado principia sempre pela introdução histórica que investiga as raízes romanas do assunto tratado.
A longa trajectória pelo tempo e espaço, as provas constantes a que foi submetido garantiram ao monumento jurídico construído pelos romanos, lugar especial no mundo da cultura.
É um legado valioso do mundo antigo ao mundo moderno. O direito romano é perpétuo: contínua a reflectir-se, menos ou mais intensamente nos sistemas jurídicos ocidentais.
É impossível qualquer estudo mais profundo da maioria dos institutos de direito privado, na Itália, França, Espanha, Portugal, América Latina e Central, sem chegar aos respectivos conceitos e institutos romanos.
Pode-se afirmar, que o direito romano não morreu: contínua vivo, embora com as necessárias transformações, nos representantes dos sistemas jurídicos de base romanísticos.
DIREITO, DERECHO, DIRITTO, DROIT, RECHT
HISTÓRIA DO DIREITO ROMANO I
O Direito Romano
Introdução Histórica
1. O Direito Romano e sua influência
O direito romano na altura dos descobrimentos do século XVI era aplicado em grande parte dos países da Europa. Entre os quais Portugal.
As terras descobertas por Portugal foram objecto de ocupação conforme o instituto romano correspondente e aceite pelo direito lusitano da época. Houve, por essa ocasião, a posse das terras descobertas. Era instalado um marco como símbolo da posse.
Toda a história dos territórios descobertos, nos primeiros séculos, pode ser analisada à luz do direito romano. Daí que até ao presente nas antigas colónias que se tornaram independentes após o movimento de 25 de Abril de 1974, o direito desses Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs) é um direito essencialmente de base romanística. Ainda que, com diferente estatuto é o direito vigente em Macau como Região Administrativa Especial da República Popular da China, após 20 de Dezembro de 1999 e até 20 de Dezembro de 2049, por força da Declaração Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau assinada entre Portugal e a China em 13 de Abril de 1987. A questão de Timor-Leste onde o português é uma das línguas oficiais e membro da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). Macau solicitou a sua adesão, bem como países terceiros como o Senegal, Guiné Equatorial, Marrocos, Andorra e Filipinas.
As Ordenações do Reino, Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, têm as suas raízes no direito romano. A continuidade do direito romano está presente para lá do nosso Código Civil em particular, e no sistema jurídico em geral, nas legislações desses países, salientando a de Macau, onde os Códigos são cópias quase fiéis, e o Código Civil é o paradigma do nosso Código Civil. As Ordenações serviram muitas das vezes como a ponte de ligação entre a época antiga e a época actual. O nosso Código Civil está para os portugueses e macaenses como o Corpus Júris Civillis estava para os romanos.
2. A expressão direito romano:
SENTIDOS
Direito que vigorou por 12 séculos:
Direito privado romano:
Direito de Corpus Júris Civillis:
3. Importância do estudo do direito romano
Embora o Império Romano tenha deixado de existir e, com ele, tenham ficado sem vigência as normas jurídicas que o regeram, três razões que justificam de modo amplo o estudo das instituições jurídicas daquele povo:
Ordem histórica:
Ordem prática:
Ordem técnica – jurídica
O direito romano apresenta-se como um bloco maciço, mas para facilidade de estudo os romanistas costumam dividi-lo em períodos, preferindo cada autor uma determinada divisão, alguns utilizam de critérios políticos, outros o conteúdo das normas, ou ainda, os institutos jurídicos em áreas.
A classificação que se baseia na história das instituições políticas, divide o direito romano em períodos, contando-se as datas a partir da fundação da cidade de Roma:
1. Realeza (753 -510)
2. República (510 – 27)
3. Alto Império (27 – 284)
4. Baixo-império (284 – 565)
5. Bizantino (565 a 1453)
5. Métodos ou processos para o estudo do direito romano
Diversos métodos ou processos foram empregues através dos séculos, até aos dias de hoje, para o estudo do direito romano, citando-se, entre os mais conhecidos, o exegético, o dogmático, o histórico e o moderno.
Método exegético:
Método dogmático:
Método histórico:
Método Moderno:
6. Exposição sistemática do direito privado romano
Sempre foi objecto de preocupação, o estudo e a exposição sistemática do direito privado romano e, a principiar pelo jurisconsulto Gaio, um plano de exposição foi apresentado: todo o direito romano ou diz respeito às pessoas, ou às coisas ou às acções (Gaio, Institutas, I,8), sendo que a tríplice distinção de Gaio – pessoas, coisas, acções – atravessou os séculos, sendo ainda hoje seguida em obras de grandes romanistas.
Um plano sistemático de estudo do direito romano segue a seguinte ordem: história, pessoas, coisas, obrigações, sucessões e o processo.
Tal sistemática justifica-se considerando:
7. Noções básicas de Direito Romano
No estudo do direito romano, deve-se tem em consideração algumas noções fundamentais:
A palavra direito:
O direito:
O direito e a religião:
Desde nos tempos mais remotos, era patente a distinção entre o direito e a religião entre os romanos:
Jurisprudência - a ciência do direito:
Nas Institutas do Imperador Justiniano uma definição da ciência do direito - Jurisprudentia -, em que se acham mesclados elementos humanos, religiosos, filosóficos e morais: Jurisprudência (ou Ciência do direito) é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do que é justo e do que é injusto (Institutas, I, 1,1).
Os textos demonstram que as noções de ético e de jurídico não se encontravam claramente estabelecidas entre os jurisconsultos romanos, o que explica a influência dos filósofos gregos.
Era comum a filosofia grega ter a supremacia da moral, ciência geral das acções humanas, sobre o Direito, mera parte da actividade do homem.
O direito definia-se como a arte do bem e do equitativo (Digesto, I, a, 1, pr. e § 1º), o que demonstra a identificação entre a moral (- arte do bem), e o direito (- arte do equitativo).
Um texto de Ulpiano afirma que os preceitos do direito são viver honestamente, não prejudicar outrem, dar a cada um o que é seu (Digesto, I, 1,1; Institutas, I, 1,3).
O jurisconsulto Paulo numa célebre passagem, ensina que nem tudo que é permitido (pelo direito) é honesto (Digesto, ro, 17, 144,1).
A análise deste excerto mostra que se o direito permite coisas que a moral censura é porque o domínio de ambos é diferente.
Classificação dicotómica do direito de Ulpiano
Preocuparam-se também os romanos em dividir o direito, mostrando, na classificação dicotómica de Ulpiano reproduzida por Justiniano, que o estudo deste compreende dois ramos principais: o público e o privado, sendo o primeiro o que tem por finalidade a organização da república romana e o segundo o que diz respeito ao interesse dos particulares (Institutas de Justiniano, I, a,4, e D. 1,1,2).
O princípio romano da distinção entre os dois ramos do direito – público e privado – é o critério finalístico. É o fim (e não a origem e as sanções, ou o objecto, como hoje fazemos) que serve de marco separador entre os dois campos: a organização da república romana – o campo do direito público, regulado pelas formas do jus publicum; a utilidade, o interesse particular – o âmbito do jus privatum.
Definição de direito dentro do espírito do direito romano:
Direito é o conjunto das regras de justiça ou de utilidade social relativas à organização dos poderes públicos, da família e às relações económicas dos homens.
8. Direito Privado Romano e as suas subdivisões:
Os direitos latinos fazem referência a muitas divisões e subdivisões do direito privado:
Jus civile ou jus Quiritium é o direito próprio e peculiar dos cidadãos romanos. É mais antigo, mais restrito, mais rígido. Predominou nos primeiros tempos;
Jus gentium surge mais tarde, tem um âmbito mais amplo, aparecendo quando Roma estende as suas conquistas e entra em contacto com outros povos. É um direito comum a todos os povos - gentes - do vastíssimo mundo romano - orbis romanus.
Direito Natural
Há uma lei verdadeira, segundo a natureza, difundida entre todos os homens, constante e eterna (De República, 3,22,33).
Direito natural - direito que a natureza ensinou a todos os animais, racionais e irracionais;
Sentido jurídico de direito natural – direito comum a todos os seres racionais, abrangendo escravos e bárbaros, mesmo fora do mundo romano.
Aspectos comparativos entre: jus naturale – jus civile e jus gentium:
9. Fontes do direito romano
O direito forma-se a partir de determinadas fontes. Fontes que variam conforme os agrupamentos que lhe dãoorigem.
No direito romano, classificam-se as fontes em escritas (jus scriptum) e não escritas (jus non scriptum).
· Jus non scriptum é o costume
· Jus scriptum é constituído pela lei, plebiscitos, senatosconsultos, constituições imperiais, éditos dos magistrados e respostas dos prudentes.
10 Direito civil e direito pretoriano
Ao lado do direito civil, mais antigo, mais conservador, estrito e formalista, vai-se constituindo, aos poucos, um outro direito, mais novo, menos formalista, adaptado às circunstâncias do momento: é o direito honorário, porque emana dos magistrados investidos das funções públicas, honores (pretores, edis curuis, governadores). É também denominado de direito pretoriano ou do pretor.
Este direito honorário ou pretoriano, criado pelos magistrados, ao contrário do jus civile, que deriva de fontes legislativas e da doutrina dos jurisconsultos, nem sempre está em conflito com este.
Ao ser chamado a intervir o pretor geralmente confirma ou completa o direito civil, fazendo, neste caso papel análogo ao que fazem os nossos tribunais com a jurisprudência, mas às vezes surgem casos de oposição, lutando, então, o pretor no sentido de corrigir o direito civil, acomodando-o às novas exigências sociais, políticas ou económicas, estabelecendo, novos modelos jurídicos, em antagonismo com os modelos velhos, que são abandonados, por inadequados.
DIREITO, DERECHO, DIRITTO, DROIT, RECHT
HISTÓRIA DO DIREITO ROMANO II
11 Alguns traços típicos do direito romano
O direito romano possuiu alguns traços típicos:
12 Direito Romano na Realeza
Chama-se realeza ao período histórico em que Roma foi governada pelos reis – ou período dos reis – extensão: 753 (data da fundação de Roma até 510 a.C.)
Organização social
Agrupam-se os habitantes da cidade de Roma em duas categorias bem distintas e opostas: os patrícios e plebeus.
Poderes públicos de Roma
O rei, o senado e o povo são os três elementos que integram os poderes públicos em Roma.
Populus romanus - 1. Leges curiatae – unidade de voto é a cúria - Patrícios
(feitura das leis) - 2. Leges centuriatae – unidade de voto é a centúria - Plebeus
Fontes do direito romano da realeza
As fontes do direito na realeza são duas: o costume e a lei.
Actualmente as leis têm um sentido geral, impessoal, destinando-se à colectividade. No direito romano da realeza, as leis eram particulares, regendo determinados casos, verdadeiros contratos entre os patres da cidade.
Exemplo: um pater pretende deixar os bens não aos seus herdeiros, mas a outra pessoa (testamentum), contrariando o costume reinante. Nasce a lei.
13 Direito romano na República
Finda a realeza com a morte do último rei, destronado por uma revolução, chefiada por patrícios e militares, instaura-se, em Roma, a república, período que se prolonga de 510 até 27 a.C.
Ao rei sucede o poder consular, representado pelos cônsules, detentores do imperium e que encarnam a suprema magistratura. Eleitos em número de dois, anualmente, governam revezando-se, um mês cada um, até ao fim do ano. O cônsul em exercício é fiscalizado pelo colega, que tem contra ele a intercessio ou direito de veto, em caso de discordância. Se perigos ameaçarem a república, o cônsul em exercício avoca o poder dos dois, tornando-se ditador, com poderes absolutos, perdendo o colega o recurso da intercessio.
Tribuno da plebe
Após as greves dos plebeus, a cidade tendo ficado paralisada pela falta da massa trabalhadora; patrícios e plebeus resolvem fazer um acordo, sendo atendidas diversas reivindicações da plebe, a mais importante das quais é a criação do tribuno da plebe. Criados em 494 a.C., eram magistrados plebeus, invioláveis, sagrados (sacrosanti), com direito de veto contra as decisões a serem tomadas. Podem opor-se até mesmo às decisões dos cônsules e dos senadores. Têm ao dispor o mesmo recurso que os cônsules – a intercessio – podendo com esta colocar em crise a poderosa máquina do Estado romano. O tribuno da plebe não pode ser acusado, preso, nem punido. Tem imunidades totais. São imunidades parlamentares.
Elementos da vida política da república
Na vida política da república interferem inúmeros elementos: os cônsules, o senado, o povo.
O populus romanus, que agora se compõe de patrícios e plebeus, reúne-se em comícios, os comícios curiatos e os comícios centuriatos como na realeza. Além disso, há uma nova espécie de comícios, os comícios tributos. A plebe, sozinha, reúne-se nos concilia plebis. Nestes, votam-se os plebiscitos.
Fontes do direito romano da república
As fontes do direito romano na república são em número de cinco, a saber: o costume, a lei, o plebiscito, a interpretação dos prudentes e os éditos dos magistrados.
14 Direito Romano no Alto Império
Chama-se alto império (27 a.C. a 284 d.C.) ou principado (de princeps) o período histórico que vai do reinado de Augusto até à morte de Diocleciano.
O imperador ou príncipe não governa sozinho: partilha o poder com o senado, havendo pois, a diarquia (governo de dois) e não a monarquia (governo de um só).
A pessoa do príncipe – primeiro magistrado – é sagrada, inviolável. Reúne o príncipe poderes quase ilimitados. Em virtude do imperium proconsular, que recebe do exército e do senado, é o chefe supremo das forças armadas, pode fazer nomeações para cargos civis e militares, tem o direito de declarar a guerra e de celebrar a paz. Mediante o seu poder tribunício, recebido do povo, ao ser coroado (lex regia do império), a sua autoridade é máxima. Com o senado o príncipe reparte o poder judiciário.
Fontes de formação do direito romano no Alto Império
Os modos de formação do direito romano no alto império são: o costume, a lei, os senatosconsultos, os éditos dos magistrados, as constituições imperiais e as respostas dos prudentes.
15 Direito Romano no Baixo-império
Chama-se Baixo-império (284 d.C. a 565 d.C.) ou dominado, o período histórico que vai da morte de Diocleciano até a morte de Justiniano.
Neste período o traço político dominante é a concentração dos poderes nas mãos do soberano que governa sozinho (monarquia, governo de um só).
Com a morte de Teodósio I divide-se o império romano em duas áreas: Império Romano do Oriente e Império Romano do Ocidente (395 d.C.).
Cada uma dessas áreas políticas é entregue a um imperador.
Em 476 de nossa era, Odoacro, rei dos Hérulos, invade o Império Romano do Ocidente, mas o Império Romano do Oriente contínua a viver até à morte do imperador Justiniano, em 565.
O imperador que, no período anterior, reparte o poder com o senado, afirma definitivamente a sua posição, torna-se absoluto, invocando a vontade divina como fonte de inspiração da sua autoridade: o que agradou ao príncipe tem força de lei. É a monarquia absoluta.
Fontes do direito romano no período do Baixo-império
As Constituições Imperiais, denominadas leges, são a única fonte do direito romano, neste período. Os edicta ou leges edictales são ordens expedidas pelo imperador ao senado ou a qualquer funcionário.
As codificações do Baixo-império
Antes de Justiniano, houve codificações particulares e oficiais. Entre as codificações particulares, ou seja, de iniciativa privada, devemos distinguir o Codex Gregorianus, o Codex Hermogenianus, os Fragmenta Vaticana Juris Romani, a Lei de Deus ou Comparação entre as leis de Moisés e as leis dos romanos e o Livro de direito sírio-romano.
O Código Gregoriano, compilado por um certo Gregório, que teria sido um prático do direito ou um jurisconsulto desconhecido, é a primeira compilação das Constituições Imperiais que conhecemos. Remonta ao século III, indo desde Septímio Severo até a época do Imperador Dioclesiano.
O código hermogeniano, compilado por Hermogeniano, possivelmente o mesmo jurisconsulto que figura no Digesto, é também uma reunião das Constituições Imperiais dos imperadores Diocleciano e Maximiliano, bem como algumas de Valentiano I e de Valente.
Os Fragmenta Vaticiana Juris Romani são uma colecção de fragmentos do direito romano, de alguns jurisconsultos e de algumas Constituições Imperiais. Foram descobertas, em 1821, pelo cardeal Ângelo Mai, na Biblioteca do Vaticano, coberto pelas Conferências dos anacoretas do Édito, de Cassiano (350-432). Caracteriza-se esta compilação por utilizar o jus e as leges dos códigos gregorianos e hermogeniano.
O confronto ou colação entre as leis mosaicas e romanas, chamado pelos manuscritos de Lex Dei quam praecipt dominus ad Moysen, é uma comparação de fragmentos de leis judaicas e romanas, relativas ao direito penal e ao direito sucessório, baseada nas obras de Gaio, Paulo, Ulpiano, Papiniano e Modestino, assim como em constituições imperiais.
O livro sírio-romano ou leges saeculares é um compêndio de direito romano adoptado nas escolas da Síria, livro que chegou até nossos dias em traduções, principalmente, árabes. Reveste-se de grande importância, porque encerra grande quantidade de informações sobre o direito em vigor, no Oriente, ao mesmo tempo que contém muitos elementos de origem provincial.
O Código Teodosiano, elaborado por ordem do Imperador Teodósio, é a compilação das constituições imperiais a partir da época de Constantino. Promulgado no Oriente, em 438, por Teodósio II e tornado obrigatório no Ocidente por Valentiniano III, distingue-se por ser a primeira codificação oficial do império romano.
O Breviário de Alarico, Lei romana dos visigodos, Corpo das leis ou Breviário de Aniano é uma compilação de leis, feita em 506, por ordem de Alarico II e homologada por Aniano. Como se sabe, os bárbaros respeitavam os costumes dos povos vencidos, deixando-os que se regessem pelas suas respectivas leis. Por isso, quando os visigodos invadiram a península, permitiram que os povos peninsulares seguissem as próprias leis que eram a romana, e para isso, organizaram os vencedores um Código que ofereceram aos vencidos.
A Lex romana Burgundiorum, promulgada em 509, pelo rei Gondebaldo, da Borgonha, foi para os súbditos romanos deste lugar o mesmo que a Lex romana Visigothorum para os da Espanha.
Justiniano, natural de Taurésio, aquele que foi o grande imperador, em 527, sucedendo o seu tio Justino. Combateu os vândalos e os persas, conquistou a África e a Itália, dedicando-se às artes, às ciências e ao direito. Deve-se a ele a construção da basílica de Santa Sofia (532-537) em Istambul, na Turquia. No campo do direito empreende a tarefa de sistematizar, reunindo, num corpo só, numerosíssimos textos de leis das épocas anteriores e da sua.
Na realidade, o Corpus Juris Civilis abrange o Digesto, as Institutas, o Código (novo) e as Novelas, visto que o Código Antigo se perdeu. A essas obras podemos acrescentar as 50 decisões (Quinquaginta Decisiones) a respeito de pontos controvertidos entre os antigos jurisconsultos.
16 O direito romano do período Bizantino
O período bizantino (do nome Bizâncio, cidade grega construída no Bósforo, no VII século antes de Cristo, mudado para Constantinopla, no quarto século de nossa era, por Constantino, sendo a actual Istambul, na Turquia, é o período de tempo que vai desde a morte do Imperador Justiniano (565) até à tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453.
O direito bizantino é o conjunto de regras jurídicas justinianas que continuaram em vigor de 565 a 1453, mas adaptadas à vida dos povos do Novo Império.
O direito bizantino, em vigor nos países sujeitos à dominação bizantina, encontrou dificuldades de aplicação nos tribunais, quando invocado. A língua latina, cada vez mais afastada das fontes, é menos estudada e insuficiente para exprimir os novos casos que surgiam. É difícil, nessa época, a compreensão da língua em que foi redigido o Corpus Juris Civilis, de Justiniano.
A evolução contínua do direito, no mundo bizantino, trazia como consequência o aparecimento inevitável de situações jurídicas novas, não previstas nas antigas e imobilizadas compilações latinas.
Para contornar as dificuldades emergentes ordenaram os imperadores que se fizessem outras compilações oficiais, em língua grega, adaptáveis à nova realidade jurídica. Surgem assim a Égloga legum compendiaria, a Lex Rhodia, o Prochiron Legum.
Depois de ter vigorado por mais de 12 séculos (753 a.C. – 476 d.C.), como expressão da vida jurídico-social do povo que formou o mais organizado império do mundo antigo, estendeu-se o direito romano até aos tempos do imperador Justiniano (565 d.C.), continuando no período bizantino até fins da Idade Média (1453), atravessando o Renascimento e chegando até aos nossos dias.
A perpetuidade do direito romano é um facto evidente. A sua actualidade não pode ser negada, pela presença constante em inúmeros institutos jurídicos de nossa época.
Além disso, qualquer estudo profundo de direito privado principia sempre pela introdução histórica que investiga as raízes romanas do assunto tratado.
A longa trajectória pelo tempo e espaço, as provas constantes a que foi submetido garantiram ao monumento jurídico construído pelos romanos, lugar especial no mundo da cultura.
É um legado valioso do mundo antigo ao mundo moderno. O direito romano é perpétuo: contínua a reflectir-se, menos ou mais intensamente nos sistemas jurídicos ocidentais.
É impossível qualquer estudo mais profundo da maioria dos institutos de direito privado, na Itália, França, Espanha, Portugal, América Latina e Central, sem chegar aos respectivos conceitos e institutos romanos.
Pode-se afirmar, que o direito romano não morreu: contínua vivo, embora com as necessárias transformações, nos representantes dos sistemas jurídicos de base romanísticos.